terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Efésios 1.1a, b, c - Exposição em Efésios - Sermão pregado dia 29.01.2012



Efésios 1.1a, b, c - 
Exposição em Efésios - 
Sermão pregado dia 29.01.2012

"Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus" (Ef 1:1a, b, c).

A Escritura como testemunha e fiel transmissora da Palavra de Deus. A Escritura é eterna, isto é, ainda que tenha sido endereçada aos Efésios, também comunica graça aos nossos corações do século XXI. Temos de sempre ter isso em mente, pois conforme Paulo diz em outro lugar (2Tm 3.16,17), "Toda a Escritura é inspirada por Deus", quer dizer, tudo o que Deus escreveu foi feito conforme o bom conselho de Sua vontade. E mais: sendo Deus soberano sobre tudo o que ocorre nesta vida, devemos compreender que em Sua maravilha graça, sustentabilidade e provisão espiritual, aprouve a Ele nos legar os mesmos escritos que abençoaram centenas e milhares de gerações até hoje, ou seja, o mesmo Deus que se comunicou com o povo do Antigo Testamento e que agora - em nossa presente carta - fala mediante o santo apóstolo, também escreve a nós, como que para filhos por adoção (conforme nos dizem as Escrituras), pois não estávamos em Israel ou Éfeso ou ainda em outro lugar para recebermos das mãos do Senhor seus ensinos, contudo, Ele nos tem agraciado com a perpetuidade de Sua palavra, conforme prometido por ele mesmo: "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar" (Mt 24.35; Mc 13.31; Lc 21.33).

Paulo, homem pecador, mas que achou graça diante de Deus. A palavra de Deus nos informa que Paulo escreveu a presente carta enquanto estava preso em Roma (At 28), após ter sido apanhado pelos judeus (At 21.27) e depois preso pelos romanos que subjugavam a Israel (At 22.24-29) como uma espécie de colônia. Embora Paulo fosse cidadão romano (At 22.26, 27), havia crescido aos pés do melhor dos judeus da linha farisaica - Gamaliel (At 22.3) -, se tornando "fariseu de fariseus" e grandioso mestre e conhecedor da Lei; vindo posteriormente a perseguir os adeptos de Jesus Cristo. 

A Bíblia também nos informa que Paulo esteve em Éfeso durante três anos (At 20.31) depois de sua segunda viagem missionária (isto é, na sua terceira), após ter visitado a cidade de Corinto (At 18). Em Éfeso, Paulo discursou durante três meses na sinagoga (At 19.8) e subsequente a isso, durante todos os dias, pelo período de dois anos, ensinou na escola de um certo Tirano (At 19.9). Pela graça de Deus, Paulo também fez muitos milagres enquanto ali permaneceu (At. 19.11), de forma que os habitantes muito se maravilhavam e o Evangelho de Cristo se expandia.

Embora Paulo fosse grande conhecer da Lei, vemos que seu zelo pela palavra de Deus não fora de acordo com o que o a própria Escritura prescrevera acerca de um homem que amava de fato a Lei do Senhor. Quer dizer, Paulo perseguia incansavelmente os cristãos, mas não por amor a Cristo, e sim pela letra da lei (não vivificada pelo Espírito Santo), pelo seu farisaísmo, por um desejo incessante de querer que os intentos humanos fossem mais elevados do que Sua palavra.

Paulo cresceu e dedicou todos os seus esforços a fim de que pudesse ser um exímio cumpridor da Lei, mas mas se apercebeu de que sua busca era inútil, pois no buscava o Senhor, mas o farisaísmo e sua vontade de cumprir o intento de homens. Quantos de nossos homens e mulheres literalmente gastam suas economias e seus tempos preciosos em busca de coisas frívolas e sem sentido, assim como Paulo fez? Quantos jovens tem dedicado suas vidas, dinheiro, tem negado tempo com a família, não investido dedicação na leitura de bons livros que gerem piedade, mas creem firmemente que estão vivendo para a glória de Deus? O apóstolo Paulo foi alguém miserável até ter conhecido Cristo Jesus verdadeiramente. Digo verdadeiramente pois na verdade o conhecia, afinal ele o lia nas páginas do Antigo Testamento, porém não conseguia vê-lo já andando sobre a terra e fazendo a obra do Pai que lhe havia enviado.

Penso que muitos leitores e ouvintes dessa noite possam estar na mesma ignorância em que anteriormente vivia Paulo: um desejo ardente de fazer a vontade do Senhor, mas uma prática totalmente divorciada da Verdade.

Paulo, homem capaz, dotado de grande talento, mas que foi transformado por nosso Senhor. É justamente isso que nos faz ficar abismados quanto à sentença inicial desse homem que passou a ser grande servo de Deus - "Paulo, apóstolo de Jesus Cristo" (v.1a,b). Esse homem que era tido por inimigo da cruz e que perseguia com violência os adeptos do Cristianismo, agora repete aos irmãos de Éfeso aquilo que era comum em todas as suas cartas, isto é, que não era mais um perseguidor do Evangelho, mas um apóstolo de Jesus Cristo.

"E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote. E pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns daquela seita, quer homens quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém" (At 9:1-2). O intento de Paulo era claro: perseguir e prender cristãos, maltratar os seguidores do Caminho, extirpar todo aquele que se dizia seguidor de algo que Paulo não conseguia conceber e que nem enxergava no Antigo Testamento. Nada mais ardia em seu coração do que o zelo pela Lei e pelas orientações recebidas dos mestres com que havia convivido. A lei dos fariseus - e o que havia aprendido da Lei do Senhor com eles -, tão profundamente cravada em sua mente, o levava a fazer loucuras, como se estivesse fazendo para o Senhor e O glorificando com tais atitudes. Foi desse modo que Paulo pôs-se a requisitar autorização do sumo sacerdote, a fim de que fosse a Damasco e pudesse cumprir sua missão de "fiel fariseu". Contudo, bem sabemos que esse não era o intento do Senhor, pois tal mudança em Paulo não se deu mediante à sua vontade, mas à plena e majestosa soberania de Deus.

"E, indo no caminho, aconteceu que, chegando perto de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu. E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?" (At 9:3-4). Esse homem que havia conseguido autorização para efetuar seu grande feito diante dos homens e perante àquilo que chamava de zelo pela Lei do Senhor, agora se vê prostrado em terra diante daquele que perseguia. Oh! Agraciado Paulo! De perseguidor do Senhor dos Exércitos, a embaixador da graça recebida por Jesus Cristo.

A conversão de Paulo foi algo fascinante: de guerreiro imponente e com cartas nas mãos autorizando o massacre, a homem cego e prostrado ao chão. "Paulo, apóstolo de Jesus Cristo" (v.1a,b) - isso nos deveria causar alegria extrema! Dever-nos-ia espantar a introdução de Paulo em suas cartas, pois quantas são as vezes que lemos sobre um homem, mestre da Lei, exemplo de zelo pelo que perseguia e que buscava aterrorizar um povo, mas que posteriormente passa a defender aquilo que combatia? Penso que não nos espantemos e não nos maravilhemos com o dom gracioso de Deus porque muitas vezes não estamos cônscios de nossa malignidade e do quão necessário é que essa luz divina brilhe como resplendor nos céus, nos leve ao chão e nos deixe cegos devida à nossa malignidade diante do Altíssimo.

A história de Paulo nos ensina que ainda que a Lei de Deus seja completamente sabida por nós ou que a tenhamos firmemente à memória - tal qual os Escribas -, se Cristo não vivificar nossos corações e entendimentos, continuamente fugiremos do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo e para sempre nos afastaremos das graças do Pai, pois já disse acertadamente o próprio apóstolo do Senhor: "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos)" (Ef 2.5). 

"Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus" (Rm 5:1-2). Se antigamente Paulo andava como que inimigo de Deus e servo de Satanás, agora ele mesmo reconhece que por meio da fé em Cristo Jesus (dada gratuitamente por Ele mesmo - Ef 2.8) pôde ser considerado digno de participar da gloriosa obra de Cristo Jesus, e ainda mais, se gloriar e se alegrar na n'Aquele que o havia salvo do império das trevas. Paulo fora testemunha ocular da presença e manifestação de Cristo diante de si, tendo autoridade para escrever às igrejas e lhes instruir na doutrina e na piedade cristã, não por seu zelo anterior por contendas e genealogias (conforme entendemos de seus escritos em 1Tm 1.4 e Tt 3.9) - que era típico dos mestres da lei -, mas porque foi amado por Cristo e sabia o quão necessitado é todo homem que ainda não foi regenerado e não viu grande luz.

Também como já vimos em outras ocasiões, a Lei para Paulo não era má, mas boa e útil. Essa foi a distinção que gerou pontos mais profundos entre a doutrina luterana e a calvinista. Enquanto para Lutero a Lei era má e representava o pecado, para Calvino a Lei era boa e representava o caminho a ser seguido; não que por ela alguém seja salvo, mas faz justamente o contrário, isto é, que embora a lei nos sirva (e serviu) de aio a Cristo - pois é útil para denunciar o pecado (Rm 7.7) -, ao mesmo tempo nos leva constantemente a apelar para o amor gracioso de Deus, pois por nós mesmos nada podemos fazer - "porque sem mim nada podeis fazer" (Jo 15.5).

Paulo também apela para o seu apostolado, ou seja, afirma que foi feito representante de Cristo e autorizado por Ele para pregar e implantar o reino de Deus em meio ao mundo vil e corrompido. Essa é uma característica importante, pois todos os apóstolos descritos no Novo Testamento viram ao Senhor Jesus - esse foi o requisito imposto pelos 11 ao deliberarem sobre quem substituiria Judas: "É necessário, pois, que, dos homens que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós, Começando desde o batismo de João até ao dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles se faça conosco testemunha da sua ressurreição" (At 1:21-22 - grifo meu). Então, em outro lugar também vemos Paulo testemunhando de que o Senhor havia aparecido a ele também: "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo" (1 Co 15:8).

A função do apóstolo era transmitir aquilo que havia recebido do Senhor. Assim como o profeta veterotestamentário era o porta voz autorizado do Senhor para ensinar e proclamar a Santa Verdade, do mesmo modo se deu com os apóstolos de nosso Senhor Jesus, os quais foram os únicos autorizados a ensinar a igreja primitiva sobre o caminho que deveriam, agora que Cristo havia sido revelado.

Vejamos também que o propósito dos apóstolos era justamente "desvendar" a lei para o povo judeu (e posteriormente para os gentios) e para isso mesmo Paulo foi chamado! Aquele homem que fora profundamente conhecedor da Lei, mas caído em sua ignorância quanto à fé, agora passa a se humilhar diante daqueles que perseguia e prega sobre aquilo que outrora não entendia plenamente! A maravilhosa bênção de Deus é evidenciada nesse ponto, pois Cristo desejou mostrar a Paulo que seu mero intelectualismo não era capaz de O agradar. Por maior que fosse seu zelo pelos escritos da Lei, sem o Espírito Santo ela está morta - e isso Paulo compreendeu muito bem: "O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica" (2Co 3.6).

Em nenhum momento Paulo argumentou dizendo que basear-se na Lei era algo contrário a vontade do Senhor. Infelizmente, muitos desavisados em nossos dias utilizam-se do palavreado de Paulo para tentarem comprovar que a Lei de Deus é má e que pertence ao "retrógrado" e "ultrapassado" Antigo Testamento. Porém, de longe podemos afirmar que não foi esse o intento de Paulo - pois quem entendia melhor da Lei do que esse santo? O eleito de Deus, Paulo de Tarso, nos diz que a Lei é boa e útil (Rm 7.7), contudo não afirma que ela é o fim ou o caminho em si mesmo, e sim que sem o Espírito Santo ela está morta e gera a morte - tipificando que sem a graça interior do Senhor, toda pompa e zelo exterior em buscar-se cumprir os preceitos divinos é pura blasfêmia diante do Artífice da criação.

O apóstolo Paulo também adiciona "pela vontade de Deus" (v.1c), como que querendo mostrar que não bastasse toda sua mudança de comportamento testemunhar por si mesma, toda honra devia ser dada ao Senhor, pois assim como "a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo" (2Pe 1.21), de igual forma ele havia sido transformado pela vontade de Deus e não pela mente de homens corruptos e que constantemente maquinam o mal contra o Senhor.

É necessário que todo crente entenda que que a salvação acontece pela livre e graça de nosso Senhor, isto é, a salvação nunca é sinergista (não depende da aliança de dois lados), mas sempre monergista (apenas um lado toma a iniciativa - Deus). Certamente que isso não nos deve servir de desculpa para o evangelismo, e provo ser justamente a intenção contrária que a Escritura nos dá, ou seja, de que a soberania de Deus não invalida o evangelismo, antes, o confirma, pois se dependêssemos de forças próprias para chegarmos à persuasão plena das faculdades humanas quanto ao pecado, jamais teríamos êxito nos afazeres, pois somos vis e corruptos, contudo, tendo em vista que em Sua multiforme graça aprouve a Deus escolher os seus desde a fundação do mundo, tal excelência divina dever-nos-ia impulsionar ao ide e pregai o evangelho, pois toda força e persuasão vem do alto, toda iluminação e capacitação para quebrar a barreira do pecado é advinda dos poderes celestiais, não podendo homem algum desejar gloriar-se em sua missão, pois toda honra deve ser dada ao Altíssimo, "o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós" (Ef 4.6).

Amém.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sétimo elemento constitutivo do culto público: Cântico de Salmos (parte 4 - A Bênção do Cântico Ordenado) - Sermão pregado dia 29.01.2012



Sétimo elemento constitutivo do culto público: 
Cântico de Salmos (parte 4 - A Bênção do Cântico Ordenado) - 
Sermão pregado dia 29.01.2012

"E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te" (Dt 6.7). A palavra do Senhor foi clara ao povo de Israel: ensine seus filhos sobre a minha lei e não os deixem órfãos de sua história.

É lamentável que um número sem fim de professos da fé cristã não saibam de onde vieram, o que fizeram seus ancestrais, quais as músicas eram cantadas e como dava-se o culto daqueles antigos. Creio que parte desse desserviço ao evangelho é feito porque as pessoas não conseguem olhar para determinada doutrina e desvencilhá-la de seu tempo histórico (como se a doutrina fosse fruto do mero historicismo), quer dizer, dizer ser edificante ler sobre as doutrinas expostas pelos reformadores, é entusiasmante ler sobre os puritanos, mas - conforme dizem - não é agradável segui-los em suas práticas. Essa dicotomia é algo maligno à sã doutrina; não que devamos copiar elementos característicos das épocas (tais como vestimenta - porém sua modéstia deve ser seguida -, empregos, passatempos...), mas quando falamos sobre "seguir os reformados e puritanos", sempre o que vem à mente dos desavisados é que não estamos tentando trilhar o mesmo caminho, mas que temos - quase que - um amor por antiguidades e velharias, como se os reformados e puritanos tivessem cantado os salmos apenas por causa de sua época, e que hoje, nós - os "modernos" - devemos nos ater ao tempo em que vivemos. Aliás, dentro desse extenso número que desconhece sua história, ainda há aqueles que não somente são ignorantes para com ela, mas também negam-a, e mais, desprezam todo testemunho proferido por aqueles que o antecederam. 

Conforme vimos na semana retrasada, nós ainda estamos obrigados à observância da lei cerimonial, mas não mais em seus tipos físicos, e sim espirituais e concretizados em Cristo Jesus. Também notamos posteriormente que os únicos autorizados a comporem hinos ao Senhor em seu templo eram os sacerdotes da tribo de Levi e todos eles sob a sublime inspiração do Senhor. Desses dois pontos concluímos que, ainda que não tenhamos mais levitas e profetas, contudo isso não nos dá autorização para entender que agora temos o aval para instituirmos nossas próprias músicas ao Senhor em Seu culto público, pois conforme já apontado, o ofício de sacerdotes e compositores musicais era algo estritamente ligado à revelação de Deus, ou seja, não podemos desejar ter a prerrogativa de instituirmos novas formas de louvor aceitável ao Senhor, pois tudo que Lhe aprouve revelar ao nosso canto, assim já o fez por meio dos profetas do Antigo Testamento.

Se ainda temos um templo (que é nosso Senhor Jesus Cristo), ainda precisamos cantar as músicas utilizadas no templo do Antigo Testamento (e também no Novo Testamento - por Jesus e pelos apóstolos), pois o hinário deixado pelo Senhor (nosso livro conhecido como Salmos) foi estritamente autorizado e inspirado por Ele mesmo, não devendo homem algum achar que está livre para oferecer qualquer coisa contrária ao que Ele instituiu. Se ainda temos um templo, ainda temos um hinário.

Calvino expressou sua convicção dizendo: "Porque o que Santo Agostinho disse é verdade, que ninguém pode cantar nada digno a Deus excepto o que tem recebido de Deus. Portanto, onde quer que olhemos procurando ao longe e ao largo, não vamos encontrar nenhumas músicas melhores, nem mais adequadas para esse efeito do que os Salmos de David, que o Espírito Santo fez e transmitiu a ele. Assim, cantando-os, poderemos ter a certeza de que nossas palavras vêm de Deus como se Ele viesse a cantar em nós para a Sua própria exaltação". [1]

Alguns outros testemunhos são úteis:

"Constituição Apostólica (atribuída a Clemente de Roma [c.90-100] e compilada no final do quarto século): 'As mulheres, as crianças e os trabalhadores mais humildes, podem repetir os Salmos de Davi; cantem-no em casa e fora dela: tomem os Salmos para exercício de sua piedade e refrigério de suas almas. Assim terão respostas prontas à tentação, e estarão sempre preparados para orar a Deus, e louvá-lo, em qualquer circunstância, com suas próprias palavras...".

"Eusébio: (admirável historiador, chamado 'O Pai da História da Igreja'): 'Antigamente, no tempo em que aqueles da circuncisão estavam adorando com símbolos e tipos, não era inapropriado elevar hinos a Deus acompanhados com o saltério e a cítara, e fazê-lo nos dias de sábado... Hoje, porém nós os cristãos oferecemos nossos hinos com um saltério vivo e uma cítara viva, e com cânticos espirituais. As vozes dos cristãos, em uníssono, são mais aceitáveis a Deus do que qualquer instrumento musical. É de acordo com isto que, em TODAS as igrejas de Deus, unidas em alma e atitude, com um só pensar e em concordância de fé e piedade, nós enviamos ao céu uma melodia em uníssono, com as PALAVRAS dos Salmos sem instrumentos'.". [2]

"Atanásio [c.296-373) bispo de Alexandria, campeão da ortodoxia contra o Arianismo: 'Não creio que um homem possa encontrar algo mais glorioso do que estes Salmos; porque eles abarcam a vida inteira do homem, as afeições de sua mente, e os impulsos de sua alma. Para louvor e glorificar a Deus, ele pode selecionar um salmo útil a cada ocasião, e assim verá que ele fora escrito para ele. Atanásio se refere aos Salmos como a 'síntese da Escritura inteira'.".

"Ambrósio (c.339-397) bispo de Milão: 'A lei instrui, a história informa, a profecia prediz, a correção censura, a moral exorta. No livro dos Salmos você encontra o fruto disto tudo, bem como o remédio para toda a salvação da alma. O saltério merece ser chamado o louvor de Deus, a glória do homem, a voz da Igreja, e a mais proveitosa confissão de fé. Com os Salmos aprendo a odiar o pecado, e desaprendo a me envergonhar do arrependimento. Nos Salmos deleite e instrução competem entre si: os cantamos por prazer e os lemos para aprender'.".

"Agostinho (354-430) bispo de Hipona, Doutor da Graça: 'Oh! Quanto suspiro por ti, meu Deus, quando leio os Salmos de Davi, esses fiéis hinos e cântico de devoção, que não permitem qualquer altivez de espírito! Oh! Quanto suspiro por ti interiormente nestes salmos! E quanto por eles sou elevado em direção a ti, ardendo orquestrá-los, se possível, através do mundo inteiro, contra o orgulho da raça humana! E embora eles não sejam cantados através do mundo inteiro, ninguém pode se esquivar da tua presença'.".

"Richard Hooker (1554-1600) da igreja da Inglaterra: 'O que é que um homem precisa saber que os Salmos não possam ensinar? Eles são para os iniciantes uma introdução fácil e familiar, numa poderosa argumentação de toda virtude e conhecimento de que devem estar inteirados e uma forte confirmação para o mais perfeito entre outros. Magnanimidade heróica, primorosa justiça, grave moderação, sabedoria exata, sincero arrependimento, paciência incansável, os mistérios de Deus, os sofrimentos de Cristo, os terrores da ira, os confortos da graça, as obras da providência sobre este mundo, e as alegrias prometidas daquele mundo que virá, todo bem a ser necessariamente conhecido, ou obtido, ou executado, jorra desta fonte celestial'.".

"William Perkins (1558-1602) o 'pai do puritanismo inglês: [O livro dos] Salmos contêm os cânticos sagrados apropriados para cada condição da igreja e de seus membros, compostos para serem cantados com graça no coração (Cl 3.16)'.". [3]


Jonathan Edwards (1703-1758): "Neles [nos Salmos] vemos um amor humilde e fervoroso a Deus, admiração por Sua perfeição gloriosa e feitos maravilhosos, desejos e sede da alma para com Ele. Encontramos alegria e felicidade em Deus, uma gratidão doce e comovente por Sua grande bondade, e um regozijo santo pelo Seu favor, suficiência e fidelidade. Vemos amor para com o povo de Deus e encanto nele, grande deleite na Palavra de Deus e suas ordenanças, tristeza pelos pecados do próprio Davi e de outros, e zelo fervoroso por Deus - como também contra os inimigos de Deus. Essas expressões de emoção santa nos salmos são especialmente relevantes para nós. Os Salmos não exprimem somente a religião de um santo da estatura do rei Davi, mas o Espírito Santo também os inspirou para que os crentes os cantassem em culto público, no tempo de Davi e para sempre". [4]

Notamos, portanto, que os autores supracitados - e muitos além deles - reconhecem a magnificência e suficiência dos Salmos para o canto público.

Certamente que alguns desavisados poderiam achar que esse assunto me é fácil, pois acham que não sou músico ou que não sei tocar qualquer instrumento. Aqueles que me conhecem sabem que não somente sei tocar um instrumento, mas já fui participante de bandas de igreja. Quer dizer, a questão não é se me é agradável de aceitar ou não, mas se é bíblico e requerido por Deus - aliás, pouco importa minha opinião sobre isso, pois a Palavra de Deus a supera sem fim. Também muitos outros autores de livros e artigos expressam sua dificuldade que tiveram em voltar ao canto bíblico genuíno, contudo, essa dificuldade não passou por cima de sua musicalidade, mas o contrário, isto é, sua vocação para a música foi ordenada de forma a não se misturar com o preceito dado pelo Senhor durante o culto público; não que fossem homens de pouca firmeza em suas opiniões, mas porque foram moldados pelo Senhor e seguiram aquilo que a Santa palavra de Deus ordenara.

É preciso notar que muitíssimos benefícios nos são advindos do cântico de Salmos. O próprio Salmo 119, por exemplo, chamado de "O Alfabeto de Ouro" pelo Rev. Charles Spurgeon [pois as divisões desse salmo dizem respeito ao alfabeto hebraico, quer dizer, no texto original cada novo trecho é iniciado com a letra seguinte do alfabeto], nos demonstra o quão importante é atentarmos para a Lei do Senhor, não como via de salvação - pois quem nos salva é Cristo -, mas de vivência conforme àquilo que o Senhor prescreveu:

- "Tu ordenaste os teus mandamentos, para que diligentemente os observássemos" (Sl 119:4).
- "Abre tu os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei" (Sl 119:18).
- "Também os teus testemunhos são o meu prazer e os meus conselheiros" (Sl 119:24).
- "Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei, e observá-la-ei de todo o meu coração" (Sl 119:34).
- "Isto é a minha consolação na minha aflição, porque a tua palavra me vivificou" (Sl 119:50).
- "Os teus estatutos têm sido os meus cânticos na casa da minha peregrinação" (Sl 119:54).
- "Companheiro sou de todos os que te temem e dos que guardam os teus preceitos" (Sl 119:63).

O Salmo 1 também se revela grandioso a nós:

"Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará. Não são assim os ímpios; mas são como a moinha que o vento espalha. Por isso os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na congregação dos justos. Porque o SENHOR conhece o caminho dos justos; porém o caminho dos ímpios perecerá".

Tenho plena certeza de que se ao menos a reta e firme palavra de Deus fosse cantada nos cultos públicos, cairia vertiginosamente o número de heresias pregadas e disseminadas entre os professos da fé cristã, pois tal qual como uma placa visa orientar o visitante e uma cerca a delimitar a passagem, assim também o cantar a palavra do Senhor nos é fonte suficiente de sabedoria e nos permite não ultrapassar aquilo que foi ordenado, seja por descuido ou por vil vontade de sobrepujar o Eterno.

Os salmos do povo de Israel também nos mostram sobre a beleza de se confiar no Senhor no dia da angústia, ou em confiar-se no Altíssimo diante das incertezas, ou ainda apegar-se firmemente à fé legada a todos os santos... Os salmistas nos mostram também a sua humanidade, isto é, nos relembram que eram pecadores, homens cujo caráter precisava ser constantemente moldado pelo Senhor; pessoas que desejavam a morte de seus inimigos, sentiam o opróbrio do povo, viam-se cercado por todos os lados, a esperança pareciam-lhes fugir dentre as mãos... contudo, sempre bradavam em alta voz: "O SENHOR é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O SENHOR é a força da minha vida; de quem me recearei?" (Sl 27:1).

Os Salmos são a mais bela expressão poética do caráter de Deus sendo suscitado no coração de Seu povo. É preciso que retornemos à paixão pela beleza dos Salmos, não porque homens não possam compor belas músicas, mas porque quando comparadas à magnitude das palavras divinas - tal qual a disparidade que há entre um raio que corta o céu e uma candeia que acende-se numa noite frita -, os hinos celestiais sobrepujam de sobremaneira a beleza humana, de forma que nada resta, senão "o Alfa e o Omega, o princípio e o fim [e a] fonte da água da vida" (Ap 21.6).

Há aqueles que dizem: mas pode ser que a igreja primitiva de nosso Senhor tenha cantado outras músicas. 


Notas: 
[1] CALVINO, João. Citado em Covenant Protestand Reformed Church
[2] Eusébio - comentário no livro de salmos, salmo 91
[3] Exceto a de Eusébio, todas as citações foram retiradas de a Glória e Suficiência dos Salmos para o Cântico
[4] A Genuína Experiência espiritual - Jonathan Edwards (pág.27)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O Estilo de Guerra Reformado


"E estava ali um certo homem, chamado Simão, que anteriormente exercera naquela cidade a arte mágica, e tinha iludido o povo de Samaria, dizendo que era uma grande personagem; Ao qual todos atendiam, desde o menor até ao maior, dizendo: Este é a grande virtude de Deus. E atendiam-no, porque já desde muito tempo os havia iludido com artes mágicas. Mas, como cressem em Filipe, que lhes pregava acerca do reino de Deus, e do nome de Jesus Cristo, se batizavam, tanto homens como mulheres. E creu até o próprio Simão; e, sendo batizado, ficou de contínuo com Filipe; e, vendo os sinais e as grandes maravilhas que se faziam, estava atônito. Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Os quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo (Porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados em nome do Senhor Jesus). Então lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo.E Simão, vendo que pela imposição das mãos dos apóstolos era dado o Espírito Santo, lhes ofereceu dinheiro, Dizendo: Dai-me também a mim esse poder, para que aquele sobre quem eu puser as mãos receba o Espírito Santo. Mas disse-lhe Pedro: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro. Tu não tens parte nem sorte nesta palavra, porque o teu coração não é reto diante de Deus. Arrepende-te, pois, dessa tua iniqüidade, e ora a Deus, para que porventura te seja perdoado o pensamento do teu coração; Pois vejo que estás em fel de amargura, e em laço de iniqüidade" (Atos 8:9-23).

Alguns homens incautos ousam afirmar que o estilo de vida Reformado é algo místico, quer dizer, o que importa é o amor em Cristo Jesus - porém, não é essa a atitude demonstrada pelo apóstolo Pedro.

Vejamos que este homem de nome Simão e que era mágico, havia recém se convertido e sido batizado, mas que por um deslize de seu coração, como que para provar que o mero professar e ser batizado coisa alguma significa se não vier acompanhado de vida cristã prática, argumenta e oferece dinheiro de forma que pudesse comprar o poder do Espírito Santo - mas o apóstolo Pedro não se deixa levar por essa levianidade e imediatamente profere um tiro de advertência e condena veemente a atitude maligna daquele homem.

A atitude do santo apóstolo Pedro certamente deve chocar aqueles que não querem defender a Escritura. Pedro não era um homem ímpio para fugir do combate à verdade e por isso não ousou condenar o erro da maneira mais incisiva possível. Por quê? Porque a verdade deve ser defendida com unhas e dentes, tal qual como o erro precisa ser extirpado para muito longe, ainda que muito sangue voe pelos ares.

Assim também deve ser o estilo de guerra reformado - ousado, perspicaz, ágil, direto, cirúrgico, não se detendo se será agradável ou não, se sustentará amizades, se lhe darão honras ou outra coisa qualquer, pois é dessa maneira que eliminamos o maligno. O soldado reformado ao ser alistado para o exército celestial, não titubeia em limpar sua arma e partir para o combate, mesmo sabendo quantas desventuras lhe sobrevirão.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sétimo elemento constitutivo do culto público: Cântico de Salmos (parte 3 - O Cântico aceitável ao Senhor) - Sermão pregado dia 22.01.2012



Sétimo elemento constitutivo do culto público: 
Cântico de Salmos (parte 3 - O Cântico aceitável ao Senhor) - 
Sermão pregado dia 22.01.2012

Tendo em vista o que já vimos até o momento, é preciso que entendamos qual o cântico aceitável a Deus, isto é, o que Deus recebe como aroma agradável, "um holocausto para o SENHOR, cheiro suave; uma oferta queimada ao SENHOR" (Êx 29.18), pois se nosso sincero desejo é de "[Louvar] o nome de Deus com um cântico, e engrandecê-lo-ei com ação de graças. [E] Isto será mais agradável ao SENHOR do que boi, ou bezerro que tem chifres e unhas" (Sl 69:30-31), precisamos compreender o que o Senhor requer de seus adoradores.

Como já temos visto, tudo o que o crente deve fazer precisa visar a glória de Deus (1Co 10.31), mas também já observamos na parte 1 (clique aqui) que nem tudo o que fazemos é aceitável a Deus, ainda que seja feito todo coração e com toda boa intenção desse mundo (conforme exemplo de Saul).

"E pela manhã cedo se levantaram e saíram ao deserto de Tecoa; e, ao saírem, Jeosafá pôs-se em pé, e disse: Ouvi-me, ó Judá, e vós, moradores de Jerusalém: Crede no SENHOR vosso Deus, e estareis seguros; crede nos seus profetas, e prosperareis; E aconselhou-se com o povo, e ordenou cantores para o SENHOR, que louvassem à Majestade santa, saindo diante dos armados, e dizendo: Louvai ao SENHOR porque a sua benignidade dura para sempre" (2 Cr 20:20-21 - grifo meu).

O povo do Antigo Testamento bem sabia que a palavra do Senhor se manifestava por meio de Seus profetas e mestres que guiavam o povo rumo à cidade prometida e posteriormente instruíam-no por meio de leis positivadas (escritas, registradas) e que visavam sua estruturação diante de Deus de Israel. O escritor de Crônicas lembra ao povo sobre a importância de ouvirem e crerem "nos seus profetas", pois aprouvera ao Senhor que naquele tempo se comunicasse com o povo mediante o ofício de profeta e também tivesse homens que representavam o povo diante d'Ele.

"E os levitas, que eram cantores, todos eles, de Asafe, de Hemã, de Jedutum, de seus filhos e de seus irmãos, vestidos de linho fino, com címbalos, com saltérios e com harpas, estavam em pé para o oriente do altar; e com eles até cento e vinte sacerdotes, que tocavam as trombetas) [esse parêntese vem do v.11]. E aconteceu que, quando eles uniformemente tocavam as trombetas, e cantavam, para fazerem ouvir uma só voz, bendizendo e louvando ao SENHOR; e levantando eles a voz com trombetas, címbalos, e outros instrumentos musicais, e louvando ao SENHOR, dizendo: Porque ele é bom, porque a sua benignidade dura para sempre, então a casa se encheu de uma nuvem, a saber, a casa do SENHOR" (2 Cr 5:12-13).

A palavra do Senhor era clara quanto ao mandamento: apenas os sacerdotes da ordem levítica deveriam cantar e tocar os instrumentos diante do Senhor. Qualquer homem que não fosse dessa linhagem específica não deveria se aproximar e muitíssimo menos tentar entoar louvores ao Senhor no Seu santo lugar, pois eram somente os levitas que tinham o ofício de render glórias ao Senhor em seu santo templo (1Cr 6.33; 25.6). Porém, não somente isso, esses eram os únicos compositores autorizados, únicos mestres autorizados e únicos executores autorizados, ninguém de fora poderia vir e ajudar a tocar os símbalos ou outro instrumento, ou ainda querer ajudar a compor determinado hino ao Senhor, pois esse ofício era estritamente destinado aos levitas. Também notamos que Davi e Salomão escrevam vários dos Salmos, mas ainda que não fossem sacerdotes levíticos, eram tipos de Cristo e profetas da Igreja/Estado do Senhor - por isso tinham autorização para comporem tais cânticos.

"E ministravam [todos os nomes mencionados nos versículos anteriores] diante do tabernáculo da tenda da congregação com cantares, até que Salomão edificou a casa do SENHOR em Jerusalém; e estiveram, segundo o seu costume, no seu ministério" (1Cr 6:32).

Quando falamos de louvor ao Senhor, devemos fazer a seguinte distinção: o que devemos cantar? E ainda: devemos tocar algum instrumento? Note que a pergunta é o que devemos fazer e não o que podemos, pois aí reside o grande trunfo da teologia reformada, isto é, de que a Bíblia nos ordena certas práticas, sendo negligência de nossa parte quando nos baseamos em subterfúgios humanos para explicar a própria Escritura. Precisamos então responder a pergunta: o que devemos cantar?

Antes de iniciarmos a solução desse problema, precisamos analisar algumas questões. Muitas variáveis poderiam ser postas aqui, ou seja, se podemos cantar qualquer música ou apenas músicas de acordo com a reta doutrina, se apenas a própria Bíblia ou apenas as músicas da Bíblia, se apenas os salmos das Escrituras... Para tanto, é preciso que nos foquemos no que já vimos na parte 1, quer dizer, de nada adiantaria sustentar que podemos cantar qualquer música, se não temos base bíblica para isso. Também será inútil toda opinião para qualquer outra visão que não tenha respaldo bíblico - daí nos focarmos hoje no cântico exclusivo de salmos (as objeções quanto à essa prática - e suas respectivas respostas - eu deixarei para o final dessa série de pregações). 

"Louvai ao SENHOR. Cantai ao SENHOR um cântico novo, e o seu louvor na congregação dos santos" (Sl 149:1). Essa citação é muito clara em nos ensinar que na "congregação dos santos", isto é, no culto público, devemos louvar ao Senhor. Cantar ao Senhor não é mera questão de conveniência, mas de ordem divina. Contudo, o que aqueles santos homens cantavam na congregação do santos?

"Louvai ao SENHOR, e invocai o seu nome; fazei conhecidas as suas obras entre os povos. Cantai-lhe, cantai-lhe salmos; falai de todas as suas maravilhas" (Sl 105:1, 2; Sl 47:6; Sl 68:4; Sl 98:5). Como vimos acima, apenas os levitas foram autorizados a comporem as músicas e tocarem instrumentos ao Senhor. Esse precisa ser um ponto de grande importância para nós, pois se naquele tempo somente os levitas tinham a autorização do Altíssimo para compor as músicas que seriam cantadas no templo, precisamos compreender que, haja vista o ofício de levita ter cessado e também o de profecia, não temos mais autorização bíblica para compormos novos hinos de louvor. Certamente que isso não é um empecilho ou proibição para algum cantor cristão compor suas músicas, mas no que diz repeito ao canto público durante o culto, nenhum homem pode igualar sua composição àquela feita pela inspiração divina e revelada nos Salmos. [1]

"Ao tratar acerca do culto com os coríntios, Paulo lhes disse: “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação” (1 Coríntios 14:26 RA). Aqui o apóstolo estava abordando sobre as divisões que havia na igreja coríntia com respeito aos dons espirituais, divisões estas que se manifestavam no culto. Então, ele lhes lembra que cada um tinha com o que contribuir para a edificação, e, claramente, fala sobre dons revelacionais, tais como 'doutrina', 'revelação', 'outra língua' e 'interpretação'. Neste rol, Paulo aludiu a 'salmo', com referência a um cântico inspirado, haja vista que todos os outros termos subtendem comunicação inspirada da Palavra de Deus. O contexto não deixa dúvidas de que tal cântico era inspirado". [2]

Já tivemos a oportunidade de vermos em outra ocasião (clique aqui) a magnitude e suficiência das Escrituras para nós (2Tm 3.16, 17) - e agora acrescento: se as Sagradas Escrituras são suficientes para nos tornar "perfeitamente habilitados" quanto à doutrina e à pratica cristã, por quê não seriam capazes de também nos serem perfeitas para nosso cântico ao Senhor? Quer dizer, muitos homens reconhecem - na teoria - que a Bíblia é sua regra de fé e conduta, porém acham cantar aquilo que a Bíblia nos ensina é ser "ultrapassado" ou ainda, "neo-puritano". [3]

Todo problema em torno dessa questão surge sobre a licitude de se cantar apenas os salmos ou poder-se cantar outros hinos escritos por homens. O problema, contudo, é que os defensores do cântico de hinos não inspirados, além de passarem por cima das Escrituras, "esmagam" também os grandes exegetas bíblicos que já pisaram nessa terra - onde na sua grandiosa maioria eram árduos defensores da salmodia exclusiva. 

A grande divisão entre os defensores da salmodia exclusiva e os dos hinos nos inspirados, diz - também - respeito a duas passagens do apóstolo Paulo (Ef 5.18,19 e Cl 3.16).

- "E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito; Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração" (Ef 5:18-19).
- "A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração" (Cl 3:16).

"Em ambas as passagens Paulo usou os termos salmos (gr. ψαλμος - psalmos), hinos (gr. υμνος – humnos) e cânticos (ωδη - ode)". [4] Os adeptos dos cânticos extra bíblicos entendem essas três palavras paulinas como se ele estivesse nos orientando a cantar além dos salmos, também "hinos e cânticos espirituais" - estes últimos como sendo canções feitas por homens após a era apostólica. Para eles, apenas se cantar os salmos seria restringir a liberdade do homem de oferecer seu louvor ao Senhor por meio de suas composições. Já para aqueles que defendem a salmodia exclusiva (daqui em diante designada por S.E.), Paulo não está falando de três coisas distintas, e sim tão somente de uma.

Ora, já dever-nos-ia ser conhecido que muitas vezes a literatura bíblica nos fala a mesma coisa através de sinônimos, tipificando assim a ênfase que deseja dar ao ensino. "Por exemplo, Moisés ao clamar a Deus na ocasião da segunda doação das tábuas da Lei inscrita em pedra, após o pecado de idolatria do povo, referiu-se ao Senhor como aquele '... que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado...' (Êxodo 34:7 RA). Tal constatação pode ser vislumbrada também no Novo Testamento, onde a mentalidade hebraica é expressa no idioma grego. Ao responder sobre qual é o maior dos mandamentos, Jesus disse: '... Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento' (Mateus 22:37 RA)". [5]

É a partir desse fato que os defensores da S.E. nos dizem que Paulo não estava a dizer sobre três coisas distintas, mas apenas sobre uma. 

O grandioso puritano John Gill (1697 - 1771) expressou sua exegese dessa forma: "Pelo nome Salmos, é referido aos Salmos de Davi e outros que compõem o livro que assim chamamos; para os outros salmos não. Por hinos entendemos não como se fossem feitos por um bom homem mas sem a inspiração do Espírito Santo e elevado ao mesmo nível daquele e para ser cantado com eles para a edificação das igrejas, mas estes são apenas um outro nome para o Livro de Salmos; o título em execução pode também ser chamado de O Livro dos Hinos conforme entende Ainsworth; e o salmo que nosso Senhor cantou com seus discípulos após a ceia é chamado de hino; e então os salmos geralmente são chamados de hinos por Philo, o judeu, e cânticos e hinos por Josefo [historiador da igreja 37 – 100 d.C]; e... 'cânticos e louvores', ou 'hinos' no Talmude [documento importante para judeus]; e por 'cânticos espirituais' entende-se também os Salmos de Davi, Asafe e os títulos de muitos de seus cânticos, e as vezes um salmo e cântico, e cântico e salmo, um cântico de graus junto com todos os cânticos escriturísticos escritos por homens inspirados e que são chamados de “espirituais” porque são iniciados pelo Espírito de Deus, consistindo de questão espiritual e designado para a edificação espiritual e estão em oposição com tudo que é profano, músicas soltas e devassas. Essas três palavras respondem... aos muitos títulos dos Salmos de Davi – de onde parece ser essa a intenção do apóstolo, de que isso dever-se-ia cantar nas Igrejas Cristãs; daí ele dizer na próxima cláusula:

cantando e fazendo melodias em seus corações ao Senhor”. Cantar é algo diferente da oração, então a partir do agradecer a Deus que é mencionado em Efésios 5.20, isso também é um dever – não um louvor mental a Deus - por isso é que é chamada de língua e ensino, e admoestação -, mas um louvor a Deus com o movimento da voz, e isso é justamente realizado quando o coração e a voz concordam; quando há uma melodia no coração, bem como na língua, porque cantando e louvando de coração é cantar com, ou a partir do coração, ou de coração...". [6]

"Em primeiro lugar, perceba que estas palavras, 'salmos, hinos, cânticos espirituais,' todas se referem aos Salmos na Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento que é comumente citada no Novo Testamento. Nela, 67 Salmos são chamados 'salmos', 34 são chamados 'cânticos', e 6 são chamados 'hinos'. Treze tem o título duplo, 'salmo e cântico,' três tem o título duplo, 'salmo e hino,' e um (Salmo 76) tem os três termos no título.

Em segundo lugar, as outras referências a 'hinos' no Novo Testamento (Mt 26.30 e Mc 14.26) não se referem à composições humanas, mas ao assim chamado hallel - os Salmos de adoração que eram cantados durante e após a Páscoa (Salmos 113 - 118).

Em terceiro lugar, Colessenses 3.16 nos fala que é pelo cântico dos salmos, hinos e cânticos espirituais que nós temos a palavra de Cristo habitando em nós ricamente. É difícil ver como isto pode se referir a qualquer coisa além da própria Escritura". [7]

Por fim, vemos também que esse não foi um entendimento isolado de alguns homens, mas foi expresso pelos piedosos homens que fizeram a Confissão de Fé de Westminster (expresso no cap. XXI, seção V) e também o Diretório de Culto de Westminster (além do Breve e Maior Catecismo) - donde lemos: "É dever dos cristãos louvar a Deus publicamente cantando Salmos juntos na Igreja, e também em particular na família. Ao cantar os Salmos, a voz deverá ser afinada e ordenada com seriedade; mas o cuidado maior precisa ser o de cantar com o entendimento e com graça no coração, erguendo melodias ao Senhor. Para que toda a Igreja possa se unir no canto, todas as pessoas que sabem ler deverão ter um hinário dos Salmos; e os demais que não estejam incapacitados por idade ou outro motivo, são exortados a que aprendam a ler. Mas no momento, quando há muitos na Igreja que não sabem ler, é conveniente que o Ministro [Pastor], ou algum outro indivíduo apto por ele e os outros presbíteros leia os Salmos, cada verso por sua vez, antes de ser cantado" [8]

Infelizmente muitos argumentam que Ef 5.19 e Cl 3.16 não estão inseridos num contexto de culto público, mas questionamos tal esquiva de se seguir a S.E., pois "Se salmos, hinos e cânticos espirituais são os limites do material de cânticos para o louvor de Deus, nos atos menos formais de adoração, quanto mais eles serão limites no ato mais formal de adoração". [9] Isto é, é contra a lógica bíblica Deus instituir o cântico de seu próprio hinário durante as atividades do dia-a-dia e durante a "congregação do santos" (cf. Sl 149,1), onde louvamos corporativamente ao Senhor em "espírito e em verdade", termos a autorização de cantarmos apenas uma "boa e bela música". Ora, se o Altíssimo tivesse de fazer alguma diferença segundo a ordem de santidade, seria mais apropriado cantar os Salmos no culto público e nos deixar cantar nossas próprias músicas no cotidiano, não? Ou acaso o Senhor não tem prazer na reunião do santos?

Semana que vem veremos o testemunho da igreja primitiva sobre o uso de Salmos como único hinário autorizado e também as bênçãos que decorrem desse uso.

Notas:
[1] ISBELL, Sherman. Fonte: Westminster Confession. Em conversa via FaceBook com o professor Salomão Rod: "Ali [no livro] ele trata da necessidade de Inspiração Divina e Ordem Divina para composição dos Salmos, de modo que todos autores dos Salmos são profetas".
[2] LIMA, Célio. Extraído do blog do autor - Vox Reformata
[3] Neo-puritano foi um infeliz termo cunhado por alguns homens contrários à plena adesão da Confissão de Fé de Westminster (CFW) e dos princípios seguidos pelos reformadores e puritanos. Para eles, nós que defendemos a salmodia exclusiva somos inovadores, pois - segundo pensam - nem os reformadores, nem os puritanos chegaram a um consenso sobre isso. O problema todo é que eles negam o que sua própria confissão (CFW) diz! Isto é, que deve-se cantar os salmos no culto público (Cap. XXI, Seção V).
[4] Op. Cit. LIMA, Célio.
[5] Apud.
[6] GILL, John. Fonte: Bible Study Tools - tradução livre.
[7] HANKO, Ronald. Fonte: Monergismo
[8] Disponível na internet
[9] SCHWERTLEY, Brian - Salmodia Exclusiva: Uma Defesa Bíblica. Fonte: Reformed Online

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A Vontade Soberana de Deus - John Gill


1. Provo que há uma vontade em Deus; à razão de que em todos os seres inteligentes há uma vontade, como também uma compreensão; como em anjos e homens, assim é com Deus; como Ele tem uma compreensão do que é infinito e imperscrutável, assim ele tem uma vontade; fazer a vontade dEle é o mais apropriado. As influências de Sua compreensão guiam a sua vontade, e a Sua vontade determina todas as suas ações; e a Sua vontade sendo dirigida assim, sabiamente, é chamada de "o conselho da sua vontade" (Ef. 1:11). A vontade freqüentemente é atribuída a Deus na Bíblia; “Faça-se a vontade do Senhor.” (Atos 21:14). “Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?” (Rm. 9:19). “Descobrindo-nos o mistério da sua vontade,” (Ef. 1:9) e em muitos outros lugares; a vontade de Deus não é de nenhum modo diferente de Sua própria propensão; é essencial a Ele; é a Sua natureza e essência; não é separada, ou considerada como distinta, ou como uma parte de um todo; o que seria contrário ao claro senso de Deus; ou para ser um simples espírito desapiedado que fora estabelecido. A vontade é atribuída a cada uma das pessoas divinas; para o Pai, (Jo 6:39, 40) para o Filho, como uma pessoa divina, (Jo 5:21, 17:24) e quem também, como homem, teve uma vontade distinta dessa, entretanto sujeitou-se, (Jo 6:38; Lc 22:42) e para o Espírito que é dito que restringe e não sofre algumas coisas que são feitas; quer dizer, não os permite; e não permitir é um ato da vontade, como também decidir, (Atos 16:6, 7) é dito que ele reparte os seus dons aos homens “como quer” (1 Cor. 12:11). E estes três, como eles são um Deus, concordam em um, em uma mente e vontade.

2. Mostrarei agora no que consiste a vontade de Deus: há apenas uma vontade em Deus; mas para nossa melhor compreensão, pode-se distinguir isso. Eu não aborrecerei o leitor com todas as distinções feitas pelos homens; algumas são falsas e outras vãs e inúteis; como absoluto e condicional, antecedente e conseqüente, eficaz e ineficaz, etc. A distinção de "secreta" e "revelada" vontade de Deus é obtida entre as perfeições divinas; a primeira é propriamente a vontade de Deus, a segunda somente a sua manifestação.

Qualquer que seja a resolução de Deus em Si mesmo, quer para Si ou para outros, ou permitir ocorrer, enquanto está em seu íntimo, não se faz saber por qualquer evento da providência, ou pela profecia, que é a Sua vontade secreta; assim são as profundezas de Deus, os pensamentos de Seu coração, os conselhos e determinações de Sua mente; que são impenetráveis a outros; mas quando se abrem pelos eventos da providência ou pela profecia então eles se tornam a revelada vontade de Deus. A secreta vontade de Deus torna-se revelada pelos eventos da providência, é considerada geral ou especial; a providência geral de Deus com respeito ao mundo e a Igreja não é outra coisa do que a sua execução, e assim a manifestação da Sua secreta vontade, com respeito a ambos: o mundo e suas obras, a origem das nações, o estabelecimento delas nas várias partes do mundo, o surgimento de estados e reinos e particularmente das quatro monarquias e a sua sucessão: para a Igreja, na linha de Sete, de Adão e na linha de Sem, de Noé e no povo de Israel, de Abraão, para a vinda de Cristo e o livro de Apocalipse é a manifestação da vontade secreta de Deus com respeito a ambos, da vinda de Cristo ao fim do mundo, grande parte do qual já foi cumprida e o restante será cumprido como a destruição do anticristo e do estado anticristão, a conversão dos judeus e a vinda da plenitude dos gentios e o reino espiritual e pessoal de Cristo. Essas são agora reveladas, ainda que o tempo em que elas tomarão lugar esteja na vontade secreta de Deus.

A providência de Deus pode ser considerada como especial com respeito a pessoas em particular; há um propósito ou secreta vontade de Deus com respeito a cada homem; e há um tempo fixado para todo propósito; um tempo para nascer e um tempo para morrer, e para tudo o que vier a acontecer ao homem entre o seu nascimento e morte: tudo o que em seu devido tempo se abriu, pela providência e que era secreto veio a ser revelado: dessa maneira sabemos para que nascemos, que nossos país no tempo e circunstâncias de nosso nascimento como relatado a nós, viemos a saber que acontece a nós, se em adverso ou próspero caminho; Deus tem executado o que foi determinado para nós, como Jó diz de si mesmo; mas então como ele observa: “muitas coisas como estas ainda tem consigo”, em Sua vontade secreta. Não sabemos o que sucederá conosco e embora saibamos que um dia iremos morrer, isso é revelado, mas quando e onde, de que maneira e circunstância, não sabemos, o que resta na secreta vontade de Deus. Algumas coisas que pertencem a secreta vontade de Deus vem a ser reveladas pelas profecias, assim foi feito saber a Abraão, que a sua semente de acordo com a secreta vontade de Deus, deveria ser em uma terra, não sua, quatrocentos anos e ser afligida e vir a se tornar uma grande nação; Deus não ocultou a Abraão o que Ele secretamente tinha em mente, em destruir Sodoma e Gomorra e de fato isso foi usual pelo Senhor para fazer nada mas do que a revelação para seus servos os profetas; particularmente todas as coisas relativas a Cristo, Sua encarnação, ofícios, obediência, sofrimentos, morte e a glória que deveria suceder, seria todo o significado anteriormente, para os profetas, pelo Espírito de Cristo neles.

A vontade de Deus, que Ele tem feito pelo homem, é revelada na lei, que é chamada “sua vontade” (Rm 2:18). Isto foi feito a saber a Adão, pela inscrição no seu coração, portanto, ele sabia o que era a obediência a Deus, para ser executada por ele, isto, ainda que fracamente obliterada pelo pecado, ainda aqui é alguma coisa restante nos gentios, que fez pela natureza as coisas contidas nela, que mostra a obra da lei escrita em seus corações: uma nova edição desta lei foi entregue para os Israelitas, escritas em tábuas de pedra, pelo dedo de Deus; em conformidade com o que eles a si mesmo procediam e tomar a possessão de Canaã e gozar os privilégios disto: e na regeneração a lei de Deus é posta no íntimo e escrita nos corações do povo de Deus; que sendo transformado pela renovação das mentes vem a saber qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus (Rm 12:2). Isto é em relação a obediência a ambos para Deus e o homem.

Esta é a revelada vontade de Deus no Evangelho; em relação aos tipos de intenções, e graciosas considerações de Deus ao homem, e revelar o que antes era Sua secreta vontade em relação a ele; como Ele tinha escolhido alguns para a vida eterna, e os designou para a salvação por Cristo e nomeado a Cristo para ser o Salvador; e Cristo fazendo a vontade de Deus veio do céu a terra para tal, e isto é a vontade de Deus, que esses deveriam ser regenerados e santificados; e “nunca hão de perecer, mas tem a vida a vida (Ef 1:4,5; Jo 6:38; I Ts 4:3; Jo 6:39,40; Mt 18:14). Mas por conseguinte, tudo isto é a revelada vontade de Deus, no Evangelho, contudo, quanto a pessoas neste ponto, esta é em grande medida, uma secreta eleição de Deus, e dessa maneira o restante, pode ser conhecido pelo Evangelho vindo com poder ao coração e pela obra da graça sobre ele, e o conhecimento deveria ser depois buscado; porém não é alcançado senão por quem é favorecido com uma plena convicção de fé; e quanto a outros, ainda que possam, em um julgamento de obras, pela razão de suas declaradas experiências, seus discursos agradáveis e proceder piedoso, deduzir que são eleitos de Deus.

Porém isto não pode certamente ser conhecido, mas pela divina revelação, como foi pelo apóstolo Paulo, que Clemente e outros de seus companheiros cooperadores, tinham seus nomes escritos no livro da vida (Fl 4:3). Esta é a revelada vontade de Deus, que deve haver uma ressurreição da morte, dos justos e injustos; e que todos devem comparecer no julgamento diante do trono de Cristo; que depois da morte deve vir tal julgamento; e ainda que seja revelado, que há um dia fixado, bem como uma pessoa designada para julgar o mundo com justiça; porém, o dia e a hora ninguém sabe, nem os anjos; mas Deus somente. Assim, que sobre tudo, ainda há algum fundamento para esta distinção da secreta e revelada vontade de Deus, porém isto não é completamente claro; há uma mistura, parte da vontade de Deus é ainda secreta e parte é revelada, em relação ao mesmo propósito, como tem sido observado e plenamente mostrado.

A mais acurada distinção da vontade de Deus está no seu propósito e prescrição; ou as ordens e decretos da Sua vontade.

As ordens de Deus, ou seus mandamentos são os que estão declarados nas Escrituras, que devem ser conhecidos pelo homem e é desejável que ele possa ter conhecimento e estar inteirado disso (Mt 7:21, 12:50; Cl. 1:9, 4:12).

Esta é a regra da obediência humana; o qual consiste do temor a Deus e da guarda de seus mandamentos; isto é feito, mas por alguns apenas, e não de forma perfeita; todo pecado é a transgressão disto; quando essas coisas são feitas corretamente pela fé, provindo do amor e para a glória de Deus, todo homem regenerado deseja fazer da melhor maneira e se puder, perfeitamente; mesmo é feito pelos anjos no céu. Deus, pela declaração de Sua vontade, mostra Sua aprovação, que é aceitável a Ele, quando feito corretamente e torna o homem que não faz inescusável, e resulta na aparição da justiça divina em infligir punição a tais pessoas.

Os decretos da vontade de Deus são propriamente falando, Sua vontade; a outra é a Sua Palavra; esta é a regra de Suas próprias ações, Ele fez todas as coisas nos céus e terra em conseqüência dessa Sua vontade, o conselho dela; e esta vontade é sempre feita, não pode ser resistida, frustrada e cancelada; Ele faz tudo o que desejar; “seus conselhos permanecem e os pensamentos de Seu coração são para todas as gerações”; e isto é as vezes cumprido por esses que não tem consideração pela Sua vontade de propósito, e não tem conhecimento disto, mesmo quando a estão fazendo; como Herodes e Pilatos, os judeus e gentios, que estavam contra Cristo (At 4:27-28) e os dez reis, cujos corações Deus pôs a Sua vontade, para dar seus reinos a besta (Ap 17:17) e esta vontade de Deus deve estar na mente de  tudo que intencionarmos fazer; dizendo: “Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo.” (I Co 4:19, Tg 4:13-15), e isto deve ser de nosso conhecimento e  submissão a todo estado e condição de vida, se de prosperidade ou adversidade, ou qualquer coisa que venha a nos acometer, ou a nossos amigos e conhecidos (At 21:14) e isto, propriamente falando, é somente e a única vontade de Deus.

3. Quais são os objetos:

Primeiro, o próprio Deus, não Sua natureza e modo de subsistir; como a paternidade do Pai; a geração do Filho; e a presença do Espírito naturalmente e necessariamente existem e não dependem da vontade de Deus: mas de Sua própria glória; “O SENHOR fez todas as coisas”, que são para Sua própria glória (Pv 16:4). Ele deseja a Sua própria glória em tudo o que faz; como “todas as coisas são feitas por Ele”, como a causa eficiente; e “através dEle”, como sabiamente os distribui; assim  é “para ele”, para Sua glória, como a causa final e o derradeiro fim de tudo; e isto Ele necessariamente deseja; Ele não pode mas Sua própria glória; como “Ele não dará Sua glória a outro”; Ele não pode desejar a outro; o que seria negar a Si mesmo.

Segundo, todas as coisas aparte de Deus, se boas ou más, são os objetos de Sua vontade, ou que Sua vontade é de algum modo ou outro interessada em diferenciar, de fato, entre os objetos do conhecimento e poder de Deus e os objetos de Sua vontade; entretanto Ele conhece todas as coisas, em Seu entendimento, e Seu poder alcança tudo o que é possível; porém Ele não quer todas as coisas transmitidas, se a palavra pode ser permitida, ou que possa ter volição, razão do qual, Amesius [1] observa, ainda que Deus seja onisciente e onipotente, não é onivolente (todo-vontade).
Terceiro, todas as coisas boas.

Todas as coisas na natureza; todas as coisas foram feitas por Ele e tudo que foi originalmente bom foi feito por Ele, mesmo “muito bom” e tudo foi feito de acordo com Sua vontade; “tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4:11), mesmo os céus, terra e mar,e tudo o que neles há.

Todas as coisas em Deus.

O Reino de Deus regula a providência sobre tudo, e se estende a todas as criaturas, anjos e homens e tudo o mais e todos os eventos que sucedem a eles; nenhum pardal cai ao chão sem que seja pela vontade de Deus; “e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu”; na celestial habitação dos anjos; “e os moradores da terra” (Dn 4:35) não há nada que venha suceder que Deus não tenha determinado, ordenado e designado. “Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande?” (Lm 3:37).
Todas as coisas na graça estão de acordo com a vontade de Deus, todas as bençãos espirituais em Cristo, todas as graças dadas aos eleitos em Cristo, antes da fundação do mundo; a escolha deles em Cristo; predestinação para adoção por Ele; redenção pelo Seu sangue; regeneração, santificação e eterna herança; tudo está de acordo com o beneplácito de Sua vontade (2 Tm. 1:9; Ef. 1:3-5, 7, 9, 11; Tg1:18; 1 Ts. 4:3).

Segundo, todas as coisas más são objetos da vontade de Deus; sendo de dois tipos.
A maldade das aflições; quer seja um modo de correção ou de punição: se um modo de correção, como ao povo de Deus, ele está de acordo com a vontade de Deus; não surgiu da terra, nem vem por acaso, mas pela vontade, ordem e desígnio de Deus; em qualidade, quantidade, duração, fins e usos, (Jó 23:14, Mic 6:9, 1Ts 3:3) o qual é consistente com a justiça, santidade, sabedoria, amor e bondade de Deus. Se ele é um meio de punição, é para os homens ímpios e incrédulos; não há razão para queixar-se deles, visto que eles são inferiores ao que realmente mereceriam pelos seus pecados; e não é injusto o que um Deus íntegro infligirá neles (Lm 3:39) todos os julgamentos, calamidades e desastres que vem sobre reinos, nações, cidades e sobre pessoas em particular, são todas de Deus, e estão de acordo com o conselho de Sua vontade (Amós 3:6). Não que Deus faça essas coisas por causa deles; ou que tenha prazer nas aflições ou misérias de Suas criaturas, (Lm 3:33, Ez 18:32) mas com a finalidade de algo superior: as aflições de Seu povo são para o seu bem espiritual, bem como para a Sua própria glória: e a punição dos ímpios é para a glorificação de Sua justiça.

Há o mal da falha e da responsabilidade (ou culpa), que é pecado: sobre isto há alguma dificuldade de como a vontade de Deus é participante, consistente com Sua pureza e santidade: que a vontade de Deus é de algum modo ou de outro ocupada com isto é certamente correto; porque Ele determina ou não os acontecimentos: o último não pode ser, em razão de nada suceder sem a permissão dEle (Lm 3:37) ou Ele nem determina, nem permite, quer dizer, que Ele não tem cuidado com isso, nem interesse; e assim os fatos estão fora de Sua área de jurisdição e não estão ao alcance de Sua providência; o que não pode ser admitido e que nenhum cristão dirá, mas os que são inclinados ao ateísmo, sim (veja Ez 9:9, Sf 1:12). Além disso, Beza [2],e outros argumentam que Deus fez uma exceção voluntária em permitir a existência do pecado, não podendo ser mostrado, nem de Sua justiça punitiva, nem de Sua misericórdia: pelo qual pode ser acrescentado, que a presciência de Deus sobre o pecado deva plenamente provar Sua vontade nisso; que a presciência de Deus previra a existência do pecado, é correto; como a queda de Adão, desde que ele fez uma provisão, em Cristo, para a salvação do homem revelado nEle, antes deveria; e assim outros pecados (2 Sm. 12:11, 16:22). Agora certo e imutável pré-conhecimento, tal como o pré-conhecimento de Deus, é criado sobre um certo e imutável motivo; que não pode ser outro do que a vontade divina; a presciência de Deus, certamente, é que tais coisas seriam assim; em razão que Ele determinou em Sua vontade o que deveria de ser.

Para estabelecer esta relação em uma luz melhor, é adequado considerar, o que é o pecado, e o que é relativo a ele: há o ato do pecado, e há a culpa pelo pecado, que é o dever de punir, e a punir própria. Relativo a dois últimos tipos não há dificuldade; que Deus deva querer que o homem por causa do pecado torne-se culpado; seja considerado, julgado, e tratado como tal; ou minta sobre sob a obrigação em punir e punir propriamente; nem que Ele deva puni-lo designando-o e o predestinando para isto (Pv 16;4; Jd 1:4).

A única dificuldade é sobre o ato do pecado; em poder considerá-lo natural ou moral; ou o ato, desordem, irregularidade e viciosidade dele: como em ação, considerando de forma aberta, é de Deus e de acordo com a Sua vontade; sem o qual o discurso de Sua providência, nada pode ser executado; Ele é a fonte e origem de ação e moção; nEle está toda a vida e movimento onde temos a existência (At 17:28) mas então a viciosidade e irregularidade disto, como é uma aberração da lei de Deus e uma transgressão disto, é do homem somente; e não se pode dizer que isso seja a vontade de Deus; Ele proíbe isso, Ele abomina e detesta; Ele não tem prazer nisso; Ele tem olhos puros para até mesmo contemplar isso com aprovação e prazer. Deus não pode se inclinar para o pecado, ou por causa de si mesmo; mas por causa de algum bem que seja provocado por isso; como a queda de Adão, para a glorificação de Sua justiça e misericórdia, em punir em grande extensão a sua posteridade, e salvando outros: o pecado dos irmãos de José, vendendo-o ao Egito, para o bem dele e de seu pai Jacó, e outros; e o pecado dos judeus, em crucificar a Cristo, para a redenção e salvação dos homens. E, além disso, Deus pode permitir um pecado como uma punição para outros; como certamente Ele tem no caso dos Israelitas (Os 4:9, 10,13) dos filósofos pagãos (Rm 1:28) e dos papistas (II Ts 2:9-12). Uma vez mais, ainda que de Deus possa ser dito em tal sentido, desejar o pecado, ainda Ele quer isto em um modo diferente que Ele quer que o seu fim seja bom; Ele não fará isso por si mesmo, nem por outros; mas permite ser feito; e qual não é uma permissão aberta, mas uma permissão voluntária; e é expressada por Deus “dando” ao homem para seu próprio coração luxuriante, e por “sofrimento” ele vai em seu próprio caminho pecaminoso (Sl. 81:12; At 14:16) Ele não deseja isso pela Sua vontade efetiva, mas pela Sua vontade permissiva; e portanto não pode ser imputado como o autor do pecado; desde aqui há uma grande diferença entre Ele fazer e o ser feito por outros, ou ordenar ser feito, somente pode fazê-lo o autor do pecado; e voluntariamente permitindo ou sofrendo isto ao ser feito por outros.

4. A natureza e propriedades da vontade de Deus.

Primeiro, é natural e essencial a Ele; é a Sua verdadeira natureza e essência; Sua vontade é a Sua própria inclinação; e por essa razão pode haver apenas uma vontade em Deus; visto que há um único Deus, de quem a natureza e essência é um; ainda que haja três pessoas na trindade, há apenas uma natureza não dividida, comum a todos os três, e a mesma vontade única: Ele é um, e concorda em um; Deus é um em mente, ou vontade, ainda que possa haver distinções de Sua vontade, e diferentes propósitos dela, e diversos meios no qual Ele concorda, não obstante, é por um único ato eterno da vontade que Ele determina todas as coisas. Conseqüentemente também Sua vontade é incomunicável para uma criatura; a vontade de Deus não pode ser diferente em uma criatura, mas afim de que ela a confirme, concorde e se submeta a ela, foi incomunicável até mesmo para a natureza humana de Cristo, ainda que tendo união com a pessoa do Filho de Deus; porém Sua vontade divina e humana são distintas uma da outra, ainda que uma seja sujeita a outra (Jo 6:38; Lc 22:42).

Segundo, a vontade de Deus é “eterna”, como podemos concluir do atributo de “eternidade”; para Deus ser eterno, como certamente é, mesmo de eternidade a eternidade, então Sua vontade deve ser eterna, desde sua natureza e essência e de Sua “imutabilidade”; que não muda, e em que não há sombra de mudança; mas se qualquer nova vontade surge em Deus, o que não foi na eternidade, haveria uma mudança nEle; Ele não seria o mesmo que foi na eternidade; considerando que Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre e da Sua “presciência”, o qual é eterna; “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras.”, ou desde a eternidade (Atos 15:18) e como a presciência de Deus surge de Sua vontade, Ele sabe de antemão o que deseja, como tem sido observado, em razão de Ele ter determinado, em Sua vontade o que deveria de ser; assim, se o Seu conhecimento é eterno, Sua vontade deve ser eterna. Do mesmo modo, isto pode ser ilustrado pelo decreto da “eleição”; que foi, certamente, antes do homem ter feito tanto o bem quanto o mal; foi desde o princípio, ou desde a eternidade, mesmo até antes da fundação do mundo (Ef. 1:4) e como o decreto e determinação da vontade de Deus foi assim, o mesmo pode ser concluído de tudo o mais; adicionado a tudo que a vontade de Deus é participante, em “todas as coisas” que tem sido “desde o princípio” do mundo, agora é, ou deve ser para o fim disto; e, portanto, deve ser antes da existência do mundo e se é antes dele, então é antes do tempo; e se é antes do tempo, deve ser eterna; porque nada sabemos antes do tempo, mas o que é eterno.

Terceiro, a vontade de Deus é “imutável”: imutabilidade é expressamente atribuída ao conselho de Deus; que é para a vontade e propósito de Deus (Hb. 6:17) e pode ser estabelecida a partir do atributo de “imutabilidade”; se Deus é imutavelmente o mesmo, e como Ele é, então Sua vontade deve ser a mesma, desde a Sua natureza e essência se uma mudança é feita na vontade de uma criatura, ou por começar a querer o que antes não queria, ou pela interrupção do que tinha propensão agora causa o começo de uma nova vontade; ou desejando o que não queria, supõe prévia ignorância do que agora começou a querer; nem conhecendo a sua aptidão e propriedades, sendo ignorante de sua natureza, excelência e utilidade; por desconhecer algo que não pode desejar e concordar: mas tal como uma mudança de vontade nunca pode ter lugar em Deus, como um fundamento; desde que isso não somente é contrário a Sua eternidade e imutabilidade, mas ao Seu conhecimento, cujo entendimento é infinito: ou uma criatura muda a sua vontade, quando esse querer cessa; o qual é tampouco por escolha, ou por obrigação; de escolher, quando alguma  coisa imprevista acontece, qualquer causa pode mudar esta vontade e tomar outro curso. Mas nada deste tipo pode suceder a Deus, antes, em quem todas as coisas estão uma vez juntas, expostas e abertas; mesmo antes da eternidade ou senão pela força, sendo compelida, porque não pode executar esta vontade, e, portanto, a renuncia e toma outro curso: “Mas quem tem resistido a Sua vontade?”, a vontade de Deus, assim como Ele causa a cessação e a interrupção? Se Deus muda Sua vontade, deve ser tampouco para melhor ou para pior; e de qualquer modo isto mostraria imperfeições nEle e carência de sabedoria; Deus pode aparentemente mudar Seus desígnios das coisas, mas Ele nunca muda Sua vontade: arrependimento atribuído a Ele não é prova disto, “Ele é um em mente e quem pode voltar-se para Ele? Sua vontade não pode ser alterada nem mudada, nem pelas orações de Seu povo.

Quarto, a vontade de Deus é sempre eficaz; não há desejos imaginários ou graus ineficazes de volição em Deus; Sua vontade é sempre efetuada, nunca pode ser anulada ou cancelada; Ele faz tudo o que lhe agrada, ou quer, Seu conselho permanece para sempre e Ele sempre faz o que for de Seu interesse, de outro modo Ele não seria onipotente, como Ele é: ela deve ser pela necessidade de Seu poder, se Sua vontade não é cumprida, o que não pode ser dito; como Ele é onipotente, assim é Sua vontade; Austin [3] assim a chama de máxima onipotente vontade: se não foi este o caso, seria até certo grau, ou algo “superior” a Ele; ao passo que Ele é Deus sobre tudo, o Altíssimo, e nunca pode ser contradito por quem quer que seja: e se Sua vontade foi ineficiente Ele seria “frustrado” e desapontado em Seu propósito: mas como nada vai além do que o homem diz, e do que o Senhor não ordena; assim, tudo o que o Senhor diz, quer e ordena deve certamente vir  a ocorrer; “O SENHOR dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará.”; “Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?” (Is. 14:24, 27). Além disso, se Sua vontade não foi eficiente, ou falhou no seu cumprimento, Ele não seria feliz: quando a vontade de um homem é ineficiente e não pode ser cumprir algo, isso causa inquietação, o faz infeliz; mas isso nunca pode ser dito de Deus, que é bem-aventurado, o bem-aventurado Deus, bem-aventurado para todo o sempre.

Quinto, a vontade de Deus não tem causa fora de si mesma; por conseguinte seria anterior a Ele e maior e mais excelente do que Ele; como toda causa é antes de seu efeito e mais excelente que essa; e Sua vontade estaria dependente de outra, e assim ela não seria independente: nem poderia ter qualquer impulso ou causa a mover Sua vontade; em razão que nEle não há poder passivo para atuar sobre ela; é puramente um ato, como puro, ativo espírito: se Ele consiste de ato e poder, Ele não seria simples e desapiedado espírito; para ser impulsionado ou movido por qualquer causa, seria contrário a Sua simplicidade, anteriormente estabelecida, Ele pode de fato dizer uma coisa por outra; mas neste caso o que Ele quer para outros não é a causa que move a Sua vontade; essa pode ter a natureza da causa e efeito entre eles mesmos; mas nenhum deles são a causa da vontade de Deus; nem há nisso qualquer causa final do que ele quer e faz, mas a Sua própria glória; e seria loucura buscar uma causa para Sua vontade: e desta propriedade da vontade de Deus, pode ser discernido claramente, que prevendo fé, santidade, e boas obras, não pode ser a causa da vontade Deus na eleição de alguns para vida eterna; e assim o contrário, nenhuma causa de Sua vontade na rejeição de outros.  

Sexto, A vontade de Deus, por esta mesma razão, não é condicional; para estar dependente de uma condição a ser executada; e não a vontade de Deus, mas o desempenho da condição é quem seria o princípio e chefe na realização de determinado fim. E, para não dizer mais, se, por exemplo, Deus tivesse o desejo de salvar todos os homens condicionalmente; quer dizer, na condição de fé e arrependimento; e os condenar se estas condições fossem insuficientes; quem não vê que esta vontade condicional, salvar e destruir, são iguais? Destruição é igualmente volitiva como salvação; e onde está o assim tão falado amor geral de Deus ao homem? Não há nada disso indistintamente para todo e qualquer homem.

Sétimo, a vontade de Deus é livre e soberana;
Da criação do mundo e de todas as coisas, alguns tem defendido que o mundo é eterno; que foi feito assim e as Escrituras asseveram (Ap 4:11) como tempo e ordem, e as coisas que estão contidas nele, são devidas a soberania de Deus; além de ser atribuída a Sua soberania: que Ele não fez outros mundos além desse, e não poderia, se quisesse, ter feito outros milhares de mundos? Ou que Ele deveria ter feito este mundo nesse tempo e não antes, quando poderia ter feito milhões de anos atrás, embora não o fizesse? Ou que Ele fez o mundo em seis dias e todas as coisas nele, quando poderia ter feito tudo em um momento, embora isso o satisfizesse? Ou que Ele não fez este mundo mais extenso, e com mais tipos e espécies de criaturas do que tem e esses Ele não poderia fazer mais numerosos do que são? Nenhuma outra razão pode ser apontada, senão Sua soberana vontade e satisfação.

A vontade soberana de Deus aparece na providência e em seus vários eventos; como nos nascimentos e mortes dos homens, o qual nenhum deles ocorre pela vontade deles, mas pela vontade de Deus; e há para ambos um tempo fixado pela Sua vontade; e no qual Sua soberania pode ser vista; o que senão poderia ser atribuído a que tal e tal homem deva nascer e vir ao mundo em tal época e não antes? E que eles deveriam sair do mundo no tempo, modo e circunstâncias que lhes conviessem? E que deveria haver diferenças entre os homens, em seus estados, condições e circunstâncias de vida; que alguns deveriam ser ricos e outros pobres?

Riqueza e pobreza são ambas disposições de Deus, como as palavras de Agur demonstram (Pv 30); e Deus é quem faz a ambos, o rico e o pobre, não somente como homem, mas como um estado de rico e pobre homem: e para quem pode esta diferença ser atribuída, senão para a soberana vontade de Deus? Alguns tem surgido para grande honra e dignidade; outros vivem em muito precárias condições, em estado miserável;
Mas mudança de estado não vem nem do leste, nem do oeste, nem do sul; mas Deus derruba uns e levanta outros, como Ele quiser; e essas diferenças e mudanças podem ser observadas nas mesmas pessoas, como em Jó, que foi por muitos anos o homem mais rico da Terra, e de súbito, foi desprovido de todas as suas riquezas, honra e glória; e então, depois de um tempo, restaurou em dobro a saúde e riquezas que antes possuía.

Assim foi com Nabucodonosor, o grande monarca de sua época, quando em sua mais notável e elevada situação de poder foi destituído de sua dignidade, como homem e monarca, e levado a viver entre os animais, vivendo como um deles; e, depois de tudo, restaurado a sua razão, e ao seu trono e sua primeira grandeza; o que forçou dele tal reconhecimento da soberana vontade de Deus como em nenhuma outra parte talvez seja mais fortemente expressa: “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?” (Dn 4:35).

Alguns são livres de enfermidades e doenças em todos os dias de sua vida; seu vigor é firme e não há moléstia nem na hora da morte, mas morre em seu vigor. Enquanto outros levam uma vida carregada de enfermidades e problemas até ao túmulo; e esta é a figura do homem: para quem pode ser imputado isso senão para a soberana vontade de Deus? E como de outra maneira pode ser considerado os muitos abortos, fracassos, nascimentos precoces, infantes que nunca viram a luz; e outros, que tão logo seus olhos se abriram a este mundo são fechados de novo; enquanto que outros não somente atravessam os estágios da infância, adolescência e juventude, mas alcançam a plenitude da existência e vão à cova como uma pilha de espigas de milho? E uma multidão de outras coisas podem ser observadas na providência; que embora Deus tenha sábios motivos para eles, são inexplicáveis para nós, mas somos obrigados a recorrer a Sua soberana vontade e satisfação, que não deu nenhuma consideração de seus empreendimentos para os filhos dos homens.

A soberana vontade de Deus aparece nas coisas santas, espirituais e religiosas, com respeito tanto a anjos como homens. Que alguns dos anjos foram eleitos e confirmados pela graça de Cristo, no estado em que foram criados e preservados da apostasia, enquanto um grande número deles tornaram-se rebeldes contra Deus e caíram de seu estado original; pelo qual foram lançados fora do céu para o inferno e permanecem até hoje em cadeias nas trevas, aguardando o julgamento daquele grande dia, e não haverá misericórdia para qualquer um deles; como será com muitos da apóstata raça de Adão. Que outra razão poderíamos dar para tudo isso senão à soberana vontade de Deus?  Entre os homens, alguns amam a Deus e muitos o odeiam; e isso antes de qualquer bem ou mal feitos por eles; alguns Ele escolhe para eterna bem-aventurança e outros Ele abandona e rejeita; Ele tem misericórdia de alguns e endurece a (muitos) outros; tal como Ele é assim é a Sua soberania, vontade e deleite: alguns são redimidos de entre os homens, por Cristo, mesmo sendo de toda família, língua, povo e nação, quem Ele quiser e decide salvar; enquanto outros são deixados a perecer em seus pecados. O qual não há outra causa a ser admitida do que a soberana vontade e satisfação de Deus. Em conformidade pelo qual também dispensa dons aos homens e esses de diferentes tipos; alguns próprios para serviço público, como para os ministros do evangelho e a outros Ele concede quando lhe apraz e destes, diferentes dons; para alguns grandes, para outros pequenos, para alguns um talento e para outros cinco, dividindo para todos individualmente como lhe apraz, de acordo com Sua soberana vontade: o expediente da graça, o ministério da Palavra e ordenanças, em todas as épocas, tendo se disposto a isto, tal como pareceu bom a Sua vista; por muitas centenas de anos, Deus deu Sua palavra a Jacó e Seus estatutos a Israel, e outras nações não o souberam; e eles foram espalhados entre os gentios, as vezes em um lugar, as vezes em outro; e como é notória a soberania de Deus em favor de nossas ilhas britânicas, essas ilhas foram longe com o evangelho e ordenanças, embora grande parte do mundo o recusou, estando coberto com as trevas do paganismo, catolicismo e islamismo.  E ainda é mais manifesto o que isso representa para alguns, “cheiro de morte para morte”, mas para outros, “cheiro de vida para vida”. Os dons especiais da graça de Deus são entregues aos homens de acordo com a soberana vontade de Deus; de Sua própria vontade de regenerar alguns e não outros; chamando-os pela graça, quem Ele deseja, quando e por quais recursos, de acordo com Seu propósito; revelado no evangelho e nas grandes coisas que nele estão, para quem Ele o fez saber; e os ocultou dos sábios e entendidos; “Sim, ó Pai,”, disse Cristo, “porque assim te aprouve.”; nem deu Ele a qualquer outro a razão para tal conduta. A graça do Espírito de Deus é dada a alguns e não a outros; como por exemplo, arrependimento, o qual é uma concessão de Deus, um dom de Cristo, foi entregue a Pedro, que negou o seu Senhor; e negado a Judas, que O traiu. Fé, que é um dom de Deus, nem todo homem a tem; a alguns somente é dado, enquanto que outros tem um espírito de sono, olhos que não podem ver e ouvidos que não ouvem. Em resumo, vida eterna, que é um livre dom de Deus, através de Cristo, é dado somente por Ele, tanto como o Pai tem dado a Ele, e para estes semelhantemente; o dinheiro, que parece significar a felicidade eterna, na parábola, é dado para os que foram chamados para trabalhar na vinha na hora undécima a mesma quantia para os que ficaram no labor durante todo o dia: alguns devem servir a Cristo e outros muito pouco, e ainda todos recebem a mesma porção de glória. O que pode ser determinado disso senão a soberana vontade de Deus? Que diz: “Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?” (Mt 20:15). Mas ainda que a vontade de Deus seja soberana, sempre age sabiamente? Alguns soberanos pensam precipitada e tolamente; mas a vontade de Deus nunca é contrária a Sua perfeição de sabedoria, justiça, santidade, etc, e Sua vontade é portanto chamada de “conselho” e “conselho de Sua vontade” (Is. 25:1, 46:10; Ef. 1:11).

Por John Gill
Fonte: Livro - A Body of Doctrinal Divity
Extraído de MayFlower

[1] Medulla Theolog. l. 1. c. 7. s. 47.
[2] Vide Maccov. Loc. Commun. c. 24. p. 195.
[3] De Civitate Dei, l. 13. c. 18.

O culto online e a tentação do Diabo

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