terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A Vontade de Deus e a Vontade do Homem - parte 2



Talvez alguém argumente que Deus age através dos meios na transformação da vontade do homem. Pode ser dito: “Não há necessidade de que ocorra uma especial e direta intervenção da vontade e do poder de Deus. Ele estabeleceu os meios, deu-nos sua Palavra, proclamou seu evangelho; através desses meios, Ele realiza a mudança. A vontade de Deus não entra em direto contato com a nossa vontade. Ele permite que esses instrumentos realizem a mudança”. Bem, vejamos quanta verdade existe nessa afirmação. Creio que ninguém dirá que o evangelho é capaz de produzir a alteração na vontade do homem, enquanto este rejeita o evangelho. Nenhum remédio, ainda que seja o melhor, pode ser eficaz, se não for tomado. A vontade do homem rejeita o evangelho; opõe-se à verdade de Deus. Então, como a vontade torna-se capaz de recebê-la? Admitindo que, ao recebê-la, ocorre uma mudança, ainda surge uma pergunta: de que maneira a vontade do homem foi transformada, a ponto de se tornar disposta a receber a verdade de Deus? A pior característica de uma enfermidade é a determinação de não querer tomar o remédio. E como ela pode ser sobrepujada? Ora, alguém dirá, esta resistência será vencida com argumentos. Argumentos! O evangelho em si mesmo não é o grande argumento? No entanto, ele é rejeitado. Que argumentos você espera prevaleçam com um homem que rejeita o evangelho? Admitimos que existem outros argumentos, mas o homem se coloca em oposição a todos eles. Não existe qualquer argumento utilizado que o homem não odeie. Sua vontade resiste e rejeita qualquer argumento e motivo persuasivos. Como pode ser vencida esta resistência e expulsa esta oposição? De que maneira a propensão da vontade humana pode ser alterada, para aceitar aquilo que rejeitava? É evidente que isto ocorre somente quando a vontade humana entra em contato com uma vontade superior — uma vontade capaz de remover a resistência, uma vontade semelhante àquela que disse: “Haja luz; e houve luz”. A própria vontade tem de sofrer uma mudança, antes que possa escolher aquilo que rejeitava. E o que pode mudá-la, senão o dedo de Deus?

Se o homem rejeitasse o evangelho apenas porque não o entende corretamente, eu poderia deduzir que, se o evangelho lhe fosse plenamente esclarecido, cessaria a resistência. Mas não acredito que esta seja a situação do homem, pois isto nos levaria a concluir que o homem rejeita não a verdade, e sim apenas aquilo que não entende; se o que ele não entende for esclarecido, ele aceitará a verdade! O homem não regenerado, ao invés de ser inimigo da verdade, seria exatamente o oposto! Haveria tão pouca depravação no coração do homem, tão pouca perversidade em sua vontade e um tão instintivo amor à verdade e repúdio ao erro, que, se a verdade lhe fosse esclarecida, ele imediatamente a aceitaria! Todas as suas hesitações anteriores resultavam de erros que estavam mesclados à verdade apresentada! Poderíamos imaginar que a causa de tal hesitação era qualquer coisa, exceto a depravação. Talvez era a ignorância, mas não poderíamos chamá-la de inimizade à verdade, e sim inimizade ao erro. Pareceria que a principal característica do coração e da vontade do pecador não é a inimizade à verdade, e sim o ódio ao erro e o amor à verdade!

O coração do homem é inimigo de Deus — o Deus revelado no evangelho, o Deus da graça. Que verdade pode haver na afirmação de que toda a falta de confiança do pecador para com Deus e de que todas as suas trevas espirituais resultam do fato de que o homem não pode ver Deus como o Deus da graça? Asseguro que, com freqüência, esta é a situação do homem. Sei que, constantemente, um mau entendimento do misericordioso caráter de Deus, demonstrado e vindicado na cruz do Calvário, é a causa de trevas para uma alma ansiosa por Cristo; também reconheço que uma simples contemplação da abundante riqueza da graça de Deus repeliria tais nuvens de trevas. Mas isto é muito diferente de afirmar que tal contemplação, sem o poder regenerador do Espírito Santo sobre a alma do homem, transformaria a inimizade em amor e confiança. Pois sabemos que a vontade não-regenerada opõe-se ao evangelho; é inimiga de Deus e de sua verdade. Se a verdade for apresentada com muita clareza à vontade do homem e insistida sobre ela, logo despertará e suscitará o seu ódio. A proclamação da verdade, embora seja feita de maneira vigorosa e compreensível e seja a verdade sobre a graça de Deus, apenas deixará exasperado o homem não-convertido. Ele odeia o evangelho; quanto mais claramente o evangelho lhe for apresentado, tanto mais ele o odiará. O homem não-convertido odeia a Deus; quanto mais Deus se aproxima dele, quanto mais vividamente Deus é apresentado ao homem, tanto mais surge e cresce sua inimizade para com Ele. Com certeza, aquilo que estimula a inimizade não pode removê-la por si mesmo. Então, qual a utilidade dos instrumentos mais eficazes? A vontade humana precisa sofrer uma operação direta do Espírito de Deus: Aquele que fez a vontade do homem precisa refazê-la. Fazê-la foi uma obra de Deus; o refazê-la também é uma obra dEle. Fazer a vontade humana foi uma obra da onipotência divina; o refazê-la também precisa ser uma obra da Onipotência. De nenhuma outra maneira as propensões da vontade humana podem ser mudadas. A vontade de Deus precisa entrar em contato com a vontade do homem; então, a mudança se realiza. A vontade de Deus não tem de ser a primeira nessa mudança? A vontade do homem apenas seguirá; ela não pode guiar.

Esta é uma afirmativa muito difícil de ser compreendida? Em nossos dias, alguns querem que assim pensemos. Perguntemos em que consiste a sua dificuldade. Em afirmar que a vontade de Deus precede a vontade de homem? Em dizer que Deus deve ser o líder e o homem, o seguidor, em todas as coisas pequenas e grandes? Em afirmar que somos obrigados a encontrar na vontade de um soberano Jeová a origem de cada movimento do homem em direção ao bem?

Se esta doutrina é difícil de ser compreendida, isto deve ocorrer porque ela retira do homem qualquer fragmento de bondade ou qualquer inclinação para com Deus. Cremos que esta é a fonte secreta das queixas contra essa doutrina. Ela diminui e esvazia completamente o homem, tornando-o não apenas nada, e sim pior do que nada — um pecador perdido —, nada além de um pecador, que possui um coração repleto de inimizade contra Deus, um coração que se opõe a Ele como o Deus da justiça e, mais ainda, como o Deus da graça; um coração que possui uma inclinação tão distante da vontade de Deus e tão rebelde contra ela, que não tem a mínima propensão para aquilo que é bom, santo e espiritual. Isto o homem não pode tolerar.

- por Horatius Bonar (1808 - 1889)
Fonte: Editora FIEL

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