sexta-feira, 30 de março de 2012

A Lei de Deus e a Mulher na Igreja


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Fonte: Projeto Os Puritanos`

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Onde está o seu Coração? Richard Baxter


É apenas justo que nosso coração esteja em Deus, quando o coração de Deus está tanto em nós. Se o Senhor da glória pode inclinar-se tanto a ponto de fazer seu coração repousar em seres pecadores, feitos de pó, certamente seríamos persuadidos a pôr nosso coração em Cristo e na glória, e ascender a ele, que se digna a ser condescendente conosco, em nossos sentimentos diários! Ó, se o deleite de Deus não estivesse mais em nós na mesma proporção que o nosso não está nele, o que deveríamos fazer?

Em que situação estaríamos! Cristão, você não percebe que o coração de Deus está sobre você? E que ele ainda cuida de você com amor cuidadoso, mesmo quando se esquece de si mesmo e dele? Você não o vê quando o acompanha com suas misericórdias diárias, movendo-se em sua alma e provendo para seu corpo, a fim de preservar ambos? Ele não o acolhe continuamente nos braços do amor e promete que tudo coopera para o seu bem? E ajusta todas as formas de lidar com você para seu próprio benefício? E não pede que seus anjos tomem conta de você?

E você não consegue encontrar em seu coração um lugar para ele, pois está muito ocupado com as alegrias terrenas, a ponto de esquecer seu Senhor que não se esquece de você? Esse não foi o pecado que Isaías clamou, de forma solene, para que o céu e a terra testemunhassem contra ele? "O boi reconhece o seu dono, e o jumento conhece a manjedoura do seu proprietário, mas Israel nada sabe, o meu povo nada compreende" (Is 1.3). Se o boi e o jumento desgarram-se durante o dia, eles, provavelmente, voltam para sua casa à noite, mas nós não elevamos nossos pensamentos a Deus nem uma vez ao dia. Portanto, permita que sua alma ascenda até Deus e o visite todas as manhãs, e que seu coração se volte para ele todos os momentos.

Por Richard Baxter (1615-1691)
Fonte: MayFlower

quinta-feira, 29 de março de 2012

Bênçãos do Temor de Deus


O que tornava a igreja primitiva diferente da igreja contemporânea? Certamente, eu não preciso convencer você de que essa diferença existe. Ao examinarmos o livro de Atos dos Apóstolos, essa diferença se torna nítida, mas não ao nosso favor.

Talvez o episódio de Ananias e Safira, relatado em Atos 5, possa esclarecer-nos esse fato. Deus parece ter feito do engano desse casal um exemplo singular, tornando-se a única ocasião no Novo Testamento em que Ele puniu alguém com a morte por causa de hipocrisia. Admiro-me quantos funerais nós teríamos, se Deus agisse de maneira semelhante em nossos dias. No entanto, não estamos empobrecidos pela falta daquele santo temor que acompanhou aquela disciplina e trouxe as diversas bênçãos que o acompanharam? Quando Deus tirou publicamente a vida daquele casal mentiroso, somos informados: “E sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia destes acontecimentos”. Um forte temor piedoso permeou a igreja e a comunidade, assegurando o favor divino. Qual era a diferença? Eles aprenderam a temer a Deus, e nós temos esquecido como temê-Lo.

Resultados significativos surgiram desse acontecimento, começando com o aumento do poder de cura dos apóstolos. Curar era um dos “sinais do apostolado” outorgado por Cristo para autenticar seus representantes autorizados. Todavia, os homens escolhidos para essa honra não podiam exercer seu poder com a mesma eficácia em todas as ocasiões. Não devemos nos admirar disso, pois mesmo o poder de Cristo foi restringido diante da incredulidade (Mc 6.5). Isto não quer dizer que a falta de fé pode reduzir a onipotência. Entretanto, onde os homens deixam de crer, eles falham em apropriar-se humildemente; assim, poucos milagres acontecem. De maneira semelhante, o renovado temor de Deus que acompanhou a divina execução de Ananias e Safira trouxe uma fé renovada no poder de Deus e uma conseqüente ampliação do ministério de cura dos apóstolos. Quando contemplada de conformidade com este modelo, a severidade de Deus é vista como expressão de sua misericórdia — uma misericórdia realmente severa.

Uma renovada união entre os membros do corpo de Cristo foi outro resultado notável. A unidade da igreja primitiva, que parece admirável para nós hoje somente por causa de sua ausência relativa em nossos dias, foi uma das características mais importantes da igreja no seu início. O pecado destrói a unidade; e a hipocrisia gritante se torna uma ferramenta de Satanás para atacar a solidariedade da igreja. Deus, porém, sabe como restaurar as devastações causadas pelo pecado. A sua disciplina severa trouxe temor acompanhado, sem dúvida, por confissão e pureza nos corações, os quais, por sua vez, resultaram em um novo senso de amor e de unidade. A condição fragmentada da igreja de Cristo hoje é um testemunho silencioso de nosso reduzido nível de temor a Deus.

Talvez o resultado mais admirável foi a relutância das pessoas em unirem-se à igreja, uma relutância que foi acompanhada por um respeito mais intenso na comunidade. Em nossos dias, unir-se à igreja freqüentemente é mais fácil do que tornar- se membro de sociedades filantrópicas; e as pessoas aos milhares estão levianamente se tornando membros de igrejas, com o previsível resultado de que a igreja torna-se pouco respeitada. A igreja era altamente respeitada em dias quando pessoas que não possuíam a genuína experiência de conversão sentiram medo de unir-se a ela. Hoje, porém, quase todos podem se unir à igreja: esse é o motivo por que muitas igrejas não diferem do mundo. Não podemos encher nossas igrejas com pessoas não-convertidas e, ao mesmo tempo, ganhar o respeito do mundo. Quando a igreja se torna mundana e o mundo se torna igrejeiro, a igreja perde tanto o respeito quanto o poder de Deus. Está na hora de as igrejas seguirem o exemplo apresentado em Atos 5, o exemplo de disciplinar membros que estão vivendo em pecado público, e o exemplo de comportar-se de tal maneira que as pessoas de pretensões carnais temerão unir-se a ela. O moderno movimento de crescimento de igrejas nos ensina que estas devem se tornar mais atraentes às pessoas do mundo e reestruturar sua adoração, de modo que todos sintam-se confortáveis. A Bíblia nos ensina a nos tornarmos menos semelhantes ao mundo, para que tenhamos a aprovação e o poder de Cristo.

É interessante que o resultado final foi um aumento nas conversões e crescimento. As próprias coisas que alguns afirmam serem impedimento ao crescimento, na realidade aceleraram o crescimento. Uma vez mais, o caminho de Deus se revelou ser oposto ao caminho do homem. Temos de resolver em quem cremos: nos “experts” que mascateiam a sabedoria do mundo, ou na Bíblia, que é a sabedoria de Deus. Qual é a grande diferença entre aquela época e a nossa? Ora, estamos fazendo a igreja se tornar tão popular quanto possível, resultando na ausência de temor a Deus.

Naquela época, Deus se revelou como um poderoso Juiz que não tolera qualquer desrespeito pecaminoso; e isso resultou em grandes bênçãos para os crentes e para os incrédulos, ao mesmo tempo. Que tipo de abordagem você imagina que mais provavelmente produzirá resultados duradouros hoje?

Por Greg Barkman.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Efésios 1.5 (parte 1) - Predestinação - Exposição em Efésios - Sermão pregado dia 25.03.2012


Efésios 1.5 (parte 1) - Predestinação
Exposição em Efésios - 
Sermão pregado dia 25.03.2012

"E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade" (Ef 1.5).

Temos visto como o Senhor se mostrou de forma graciosa ao apóstolo Paulo, dando-lhe uma mudança de comportamento totalmente contrária àquela em que vivia em tempos pretéritos, mas não somente isso, vimos anteriormente como o Altíssimo havia eleito os crentes de Éfeso antes mesmo da fundação do mundo, de modo que tudo o que recebiam era fruto da grandiosa e maravilhosa graça de Deus. Agora, portanto, importa-nos notar sobre de que forma se dá a eleição na vida do cristão, isto é, se o verdadeiro crente é um eleito pelo Senhor, como entender as nuances que nos perpassam durante nossa vida? Tendo em vista que a eleição procede de Deus, é sustentada por Ele e redunda em glórias ao Seu trono, de que forma podemos analisar nossos feitos do presente e do passado e [tentar] entender como elas nos levam a Cristo? Para respondermos essas e outras perguntas, precisamos, primeiramente, fazer a distinção entre eleição e predestinação.

"E nos predestinou". A eleição é ato pelo qual o Senhor elege os seus filhos para a salvação eterna, por meio de Sua graça inefável e inalcançável pelo homem vil e pecador - aqui, se fazer necessário sempre recordar do versículo anterior que lemos, pois pontuamos que a eleição se deu "antes da fundação do mundo" e, por isso, o entendimento de que foi realizada até mesmo antes de qualquer um de nós ter feito alguma obra boa ou má. Sendo, pois, a eleição fruto do decreto bíblico de Deus, é preciso que de algum modo ela seja concretizada na vida dos Seus escolhidos, daí entendermos que a predestinação é o meio pelo qual Deus executa Sua eleição eterna, isto é, tendo uma vez eleito os Seus filhos, passou a predestinar como deveriam viver e por quais percalços terrenos deveriam passar, de forma "que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28).

"Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo" (Ef 1.3). Quando já previamente analisamos essa sentença, visualizamos que nossas bênçãos não estão em lugares acessíveis, isto é, não há homem que consiga perscrutar a mente divina e entender os porquês de tudo o que acontece na terra, e, tendo também em vista que as bênçãos são de matéria espiritual (mas que muitíssimas vezes se demonstram de forma natural), é necessário que os homens compreendam que por diversas vezes se verão perplexos em meio à certas circunstâncias da vida, no entanto, sempre podendo confiar no Senhor e rogando para que Seu poder seja manifesto em suas vidas.

Na vida de Paulo, notamos como o Senhor havia-o preparado e o guiado conforme Sua eleição:

Em primeiro lugar, Deus havia-o preparado no estudo de Sua Lei e o havia feito crescer aos pés dos melhores mestres judeus e dos mais notáveis sábios daquele tempo, tudo para que quando chegasse o tempo de se tornar aquilo que deveria ser (isto é, ser cristão), pudesse (o apóstolo) se utilizar dos ensinamentos pretéritos e então ser um meio de graça para o restante dos judeus e também dos gentios. Em segundo lugar, tendo em vista que foi do agrado do Senhor elegê-lo também "antes da fundação do mundo", assim como os crentes de Éfeso, concluímos que todas as coisas que lhe ocorreram, desde as mais trágicas até as que lhe trouxeram maior regozijo, estavam se realizando segundo a boa vontade do Senhor, pois era de Seu agrado e por meio de Sua determinação que Paulo havia vivido tantos anos impenitente e perseguidor dos seguidores do Caminho. Em terceiro lugar, conforme já vimos, ainda que todas as coisas tenham se dado conforme o intento do Artífice da criação, Paulo pecou enquanto permaneceu contrário ao evangelho e por isso teve de carregar durante o restante de sua vida as consequência do seu pecado e até mesmo experimentar muitas provações em sua vida, a fim de que entendesse que se não fosse pela soberana graça do Altíssimo, seu destino certamente seria a morte eterna.

Portanto, a predestinação ensina-nos que tendo sido uma vez eleitos (ou para a vida eterna ou para a morte eterna - vide Rm 9.22; 2 Tm 2.20), tudo o que acontece é ou para nossa glorificação em Cristo Jesus ou para nossa condenação - daí entendermos o versículo já anteriormente citado (Rm 8.28), pois se de fato todas as coisas contribuem para o nosso bem, até mesmo nossa vida passada e destituída de amor a Deus, estava dentro dos propósitos divinos e não fizemos nada que o Senhor não houvesse intentado para nossas vidas; da onde começamos, então, a perceber que a soberania de Deus é plena sobre todos os nossos atos, sejam eles bons ou ruins. Todavia, para que nenhum homem se insurja contra o Senhor e o acuse de ser o autor do pecado, a palavra do Senhor nos diz que "Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta" (Tg 1.13) - mas, então pelo que somos tentados? "Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência" (Tg 1.14). Ou seja, de um lado temos a eleição e predestinação de Deus quanto aos Seus propósitos divino; do outro, temos a responsabilidade humana que nos ensina que apesar de fazermos tudo conforme a determinação divina ordenou, precisamos reconhecer que somos responsáveis - ainda que possa haver um aparente paradoxo; mas, entre ficar com o aparente paradoxo e afirmar uma doutrina maligna - isto é, o livre arbítrio -, certamente precisamos nos agarrar à essas duas verdades bíblicas que nos são claramente demonstradas durante toda a narrativa bíblica.

"para filhos de adoção". Após ter afirmado todas as coisas decorrentes da eleição, ou seja, que ocorrem pelos meios predestinados por Deus, competem exclusivamente ao Senhor e somente Ele é quem detém todo o poder para ordenar e orquestrar todos os fatos da vida humana, agora o apóstolo nos diz que a finalidade de tais atos concretizados na vida dos crentes eleitos são para que fossem adotados por Jesus Cristo. Nesse ponto, notamos 3 importantes distinções que devem ser feitas com relação à adoção em face da predestinação:

1. A adoção humana não é o padrão para entendermos as Escrituras. Não foram poucos os escritores bíblicos que nos legaram o entendimento de que, a exemplo do escrito de Paulo, "Não há um justo, nem um sequer" (Rm 3.10), isto é, não há homem algum que possa achegar-se diante de Deus com alguma oferenda e por isso Lhe ser agradável. As Escrituras constantemente nos alertam sobre o perigo de nos orgulharmos acerca de nossa própria condição humana; tanto é verdade que o autor de provérbios nos diz: "A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda" (Pv 16.18).

Em nossos dias, a adoção de uma criança não pode ser o guia para que entendamos o porquê de Cristo ter escolhido e adotado os Seus filhos. Não é incomum o pensamento do casal que adotará um filho e que intenta escolher aquela criança "linda, maravilhosa, de cabelos cacheados e olhos azuis". A adoção humana é - quase - sempre baseada em certos pressupostos de beleza e/ou afinidade que temos em nossa família. Muitíssimo infelizmente, não são raros os casos em que uma família de pessoas brancas deixa de adotar uma criança negra, apenas porque soará "estranho" e tal indivíduo poderá crescer como a ovelha negra da família. Também não é incomum visualizarmos o contrário, ou seja, famílias negras que não adotam indivíduos de outra cor, pois também - muitas vezes - não desejam se misturar. Certamente que ambos os lados estão errados e pecando gravemente contra o Senhor, e por isso, por detrás de tal escolha, está um princípio que aos poucos vai minando nosso entendimento acerca da adoção que os crentes têm em Cristo Jesus, a saber, que somos escolhidos porque havia algo de bom em nós. Na prática, isso seria como afirmar que o Senhor elegeu e predestinou Noé para a vida eterna, porque sabia que ele era exímio construtor e poderia salvar sua família ao colocá-la em barco; teve por bem escolher Moisés, pois esse haveria de crescer no seio de Faraó e poderia ser homem influente naquele meio; escolheu para Si o rei Davi, pois sabia que ele era grande em batalhas e poderoso em feitos notáveis... Entretanto, não é assim que a Bíblia relata nossa eleição e predestinação.

Não podemos desejar entender a eleição divina de acordo com os padrões que temos para a adoção atual. Enquanto os homens - por diversas vezes - buscam escolher a "melhor" criancinha que puderem (como se se tratassem de mera mercadoria), o Senhor projetou a humanidade e determinou que um dia todos seriam corrompidos e manchados pelo pecado; nenhum homem, então, poderia ser livre das cadeias infernais e certamente seria condenado à morte eterna. Porém, em Seu excelso e sublime amor, teve por bem também o adotar para Si uma miríade de homens, mulheres e crianças, não pelos seus "adoráveis cabelos cacheados", mas tão somente por amor de Seu nome, conforme lemos: "Não obstante, ele os salvou por amor do seu nome, para fazer conhecido o seu poder" (Sl 106.8).

Enquanto os homens buscam ter para si os mais "lindos e belos", o Senhor, sabendo que nenhum de nós possui beleza alguma, nos escolhe por amor de Seu nome, ou seja, por ter uma vez determinado que um número certo de pessoas seriam salvas, Ele assim o fez ser verdadeiro e eficaz a Sua própria eleição e predestinação, pois sendo já sabido que não pode negar a Si mesmo, cumpriu todo o seu propósito por amor de Seu próprio nome, isto é, por prezar da sua própria glória, honra e poder, a fim de realizar tudo o que deseja.

2. A adoção em Cristo não é porque o homem chamou Sua atenção. Sabendo que a adoção divina diverge em muito da adoção humana, é preciso que tenhamos sempre fixo em nossos corações que não pode haver - e não haverá - coisa alguma que faça com que Deus olhe para Suas criaturas e deseje tê-las por algum suposto bem que elas podem fazer ao Seu reino.

Em nossos dias, a proliferação de livros e cânticos malignos tem sido de tamanha expoência, que nem sequer conseguimos ficar sabendo de todos os "lançamentos gospeis" que surgem a cada dia. Um exemplo clássico desse tipo de canção pervertida é a "Faz um milagre em mim", onde o autor coloca o pobre, mísero, nu e podre homem Zaqueu, na mais alta posição de destaque, dizendo que esse chefe dos publicanos desejou "chamar sua atenção para mim", isto é, que ele, o homem desgraçado e destituído da glória de Deus, supostamente teria conseguido abanar, assoviar e se colocar em destaque, tudo para conseguir com que o Senhor olhasse para ele tivesse clemência de sua alma. Pela graça de Deus, essa música já não toca com tanta frequência nos dias atuais, mas ainda é bastante "viva" na mente de muitas pessoas e causa toda sorte de heresias e perversidades dentro das "igrejas" do Senhor. Uma canção que exalte ao homem e faça de Deus seu capacho, deve ser completamente desprezada e abominada por todos os crentes - sem falar que tal "louvor" não é sequer semelhante ao relato bíblico.

"E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra" (Gn 6.12). Também a conhecida história do dilúvio tem muito a nos acrescentar e ensinar, pois mostra-nos o quão pervertida era a terra antes daquele grandioso acontecimento, mas, também, que ninguém pense que a perversidade cessou após o dilúvio, pois, afinal, se assim tivesse sido, os homens começariam a ser salvos por meio de obras e não pela fé em Cristo Jesus - além de contrariarem a descrição bíblica e esquecerem-se de resgatar à lembrança que Noé, sua mulher e filhos continuaram sendo pecadores quando desceram da arca. Não houve coisa alguma em Noé para que Deus o usasse a fim de cumprir Seus propósitos; o Senhor também somente havia feito com que Noé fosse homem "justo e perfeito em suas gerações", porque "Noé andava com Deus" (Gn 6.9). Ou seja, o motivo de Noé e sua família ter sido salva não foi devido à alguma atribuição humana ou a algum grande feito terreno, mas porque ele "andava com Deus". Se assim se deu e foi esse o motivo da salvação de seus queridos, temos uma grande razão para rejeitarmos também certos filmes "bíblicos" sobre a vida de Noé, onde é bastante comum vermos que ele e sua família construíam o barco e ao mesmo tempo chamavam os habitantes daquela região para que se arrependessem e entrassem na arca - mas esse não é o relato bíblico: "E disse o SENHOR: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Noé, porém, achou graça aos olhos do SENHOR" (Gn 6.7-8 - grifo meu).

Assim como não é bíblico nem seguro destronar o Senhor de Sua soberania, também é antibíblico afirmarmos que o Senhor olha para o homem e supostamente vê nele um "grande potencial" para Seu reino. Para que ninguém intentasse refutar tal ensinamento bíblico, o próprio apóstolo Paulo, inspirado pelo Senhor, relata que o Ele "compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer" (Rm 9.18). Portanto, tanto Noé, como todos os outros homens que até hoje vão sendo salvos pelo Senhor, são resgatados pela graça, poder do Senhor e tão somente porque aprouve ao Eterno compadecer-se de nós - "Para que, como está escrito: Aquele que se gloria glorie-se no Senhor" (1 Co 1.31).

3. A adoção tem como finalidade a glória do Senhor. Embora o apóstolo Paulo aborde melhor essa questão em sua próxima fala ("por Jesus Cristo, para si mesmo"), é necessário que pontuemos o porquê de termos sido adotados pelo Senhor, ou seja, se há uma eleição que se estende por vias predestinadas e que redunda na adoção graciosa pelo Senhor, é mister que entendamos que todas as coisas acontecem para a glória do Seu santo nome. "Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1 Co 10.31). Esse certamente é um daqueles versículos que devem estar sempre sendo fixado em nossos corações, pois dele depreende-se uma vastíssima gama de entendimentos concernentes à vida do homem pecador diante do Senhor e de como ele deve analisar todos os seus feitos à luz da palavra de Deus, a saber, se estão ou não sendo feitos com o intuito de render glórias ao Seu nome.

Todos os crentes em Cristo Jesus são adotados baseado no pacto que o Senhor havia feito com Seus verdadeiros filhos - ainda no tempo dos israelitas: "E andarei no meio de vós, e eu vos serei por Deus, e vós me sereis por povo" (Lv 26.12; Jr 32.28; Ez 37.27). O pacto que o Senhor havia firmado com eles não tinha limitação espacial ou temporal, pois era fruto da promessa feita a Abraão: "E multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e darei à tua descendência todas estas terras; e por meio dela serão benditas todas as nações da terra" (Gn 26.4). Sendo o pacto o fruto da promessa da graça (já em evidência naquela época), o Senhor outorga para Si o direito de abençoar todos aqueles a quem intenta salvar, de modo que todas as coisas, boas ou más, redundam em glórias ao Seu nome, pois tendo em vista que todas as coisas advém d'Ele, por Ele e para Ele (Rm 11.36), logo, entendemos que a adoção leva todos os homens, crentes e ímpios, a glorificarem ao Senhor pela Sua grande destra estendida sobre a terra; para uns, com finalidade salvífica; para outros, no intuito de demonstrar o Seu poder, justiça e ira sobre o homem pecador (Rm 9.22).

Portanto, que ninguém ouse imaginar ser salvo mediante qualquer coisa boa e inerente ao ser humano decaído, mas que em tudo reconheça ser o Senhor o autor, eleitor, predestinador e consumador de todas as coisas, conforme lemos: "Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta, Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus" (Hb 12.1-2 - grifo meu).

segunda-feira, 26 de março de 2012

Série: Homem e Mulher os criou - parte 2 - A Mulher e a Criação - Sermão pregado dia 25.03.2012


Série: Homem e Mulher os criou - parte 2
A Mulher e a Criação -
Sermão pregado dia 25.03.2012

"E disse o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele. Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome. E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não se achava ajudadora idônea" (Gn 2.18-20).

Após ter feito vir à vida tudo o que criara e ter dito que até aquele momento tudo era bom, vemos aqui o Senhor falando a primeira negativa: "Não é bom". Deus de fato havia criado tudo no mais sublime esquadro e beleza, no entanto sua obra ainda não estava completa, faltava alguém ou alguma coisa que fizesse companhia ao homem. Mas por que ele precisaria de uma companhia? Já não tinha os animais e a natureza? Notemos as primeiras palavras do Criador com relação a criação: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança" (Gn 1.26 - grifo meu). A palavra nossa denota claramente o Senhor fazendo alusão às três pessoas da trindade. Se o homem houvesse sido criado apenas à  imagem e semelhança de Deus Pai, o pronome possessivo não estaria no plural, e sim no singular: "Farei o homem à minha imagem, conforme a minha semelhança". O pronome usado no plural, acrescido ao fato de que já vimos ser a imagem e semelhança o reto e pleno juízo das faculdades de Adão, nos ensina claramente que o homem também foi criado para viver em companhia de outrem. Assim como Deus é em si mesmo uno e ao mesmo tempo trino, também o homem veio a existir para desfrutar de relacionamentos.

Foi devido a esse fato que o Senhor então prosseguiu em Sua negativa: "Não é bom que o homem esteja só" (grifo meu). Por algum motivo que nos é insondável, o Senhor teve por bem determinar na eternidade que não seria bom que o homem estivesse só. Notemos como essa característica é importante: apesar de toda criação, todos os animais, toda beleza e pureza existentes na criação, o Senhor havia predestinado o homem a ser uma pessoa sociável. Em Sua soberania aprouve criar tudo da mais excelente qualidade, mas, no entanto, a mera beleza - fosse da natureza ou dos animais - não satisfazia o quesito de companhia. Isso é ainda muito real para o homem moderno. Isolar-se do mundo não é um sinal de sanidade mental (ao passo que a população seria "insana" por não perceber o meio em que vive), não é o adequado para o ser humano - o homem não foi feito para viver no ermo, na escuridão, afastado de tudo e todos; ele foi criado para ter e ser uma companhia.

"far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele" (Gn 2.18). O Senhor havia instituído que o homem necessitaria de uma companhia. Até antes de nosso versículo (começando no capítulo 2), não nos é dito qual seria a companhia que Adão teria. Deus havia dito que não era bom que o homem estivesse só, então afirma que lhe fará uma auxiliadora. Continuando o relato, lemos: "Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria" (Gn 2.19). Após a promessa da ajudadora, o Senhor leva até Adão todos os animais para que ele lhes nomeie. Adão tinha diante de si uma gama vastíssima de espécies, com seus mais variados tamanhos, cores e cheiros que advinham de tais criaturas. "E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não se achava ajudadora idônea" (Gn 2.20). O homem cumpriu o que Deus havia colocado a seu encargo: nomeou todos os animais que tinham sido trazidos à sua presença. Contudo, embora a narrativa bíblica não nos forneça os pensamentos de Adão, é bastante plausível aferirmos que enquanto estava diante de toda sorte de animais, pensasse consigo: "Qual destes será minha auxiliadora? Encontrarei alguém aqui que seja também criado à imagem e semelhança de Deus?". Ou ainda: "Vejo que tudo é muito formoso e agradável aos olhos, mas percebo que nenhuma dessas criaturas foi feita semelhantemente a mim. Seus corpos são diferentes, seus tamanhos são irregulares, alguns são tão pequenos, ao passo que outros são tão grandes...". Algum pensamento dessa natureza pode ter perpassado a mente de Adão, pois lemos que após ter nomeado todas as criaturas, "para o homem não se achava ajudadora idônea". Havia a promessa, Deus tinha decretado que não era bom para o homem estar só, porém, até o momento o homem não conseguia visualizar o cumprimento da promessa.

Então, depois do homem procurar entre todos os animais, verificar-lhes meticulosamente e a todos nomear, dize-nos a narrativa: "Então o SENHOR Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; E da costela que o SENHOR Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão" (Gn 2.21, 22). Aqui, gostaria de me por a pensar e conjecturar o porquê de Adão ter sido colocado para dormir, mas, como não é recomendável, nem seguro a curiosidade em demasia, precisamos ficar com o que o texto no diz; e aqui vemos que Adão dormiu, mas não um simples sono, mas "um sono pesado". Observemos com cuidado: "o SENHOR Deus fez cair um sono pesado sobre Adão" - o Senhor dominava sobre o homem e não precisava de sua autorização para fazê-lo. Não nos é dito que Adão resistiu ao sono ou que ficou virando-se de um lado para o outro em teimosia e arrogância por não querer se submeter a Deus e dormir; tão somente o Senhor ordena que um sono profundo se abata sobre ele, "e este adormeceu" - isso é importante para nós, pois já nos primórdios da criação o Artífice se mostra soberano sobre absolutamente todas as coisas, até mesmo sobre quando, como, onde e por quanto tempo o homem se deitará. Entretanto, nosso texto não pára por aqui. Nos é dito que houve um propósito divino em Adão cair em sono profundo: "e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; E da costela que o SENHOR Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão". Com mastreia em poesia cirúrgica, o puritano Matthew Henry comenta sobre esse detalhe: “A mulher foi feita da costela do lado de Adão; não da sua cabeça, para não governá-lo; nem de seus pés, para não ser pisada por ele; mas do seu lado, para ser igual a ele, debaixo de seu braço, para ser protegida, e perto do seu coração, para ser amada”.

Alguns espíritos malignos ficam a duvidar de tal narrativa, pois questionam-se como pode, cientificamente falando, que alguém venha a ser formado de uma simples costela. Para esses, embora não merecessem qualquer argumentação, haja vista tamanha ignorância que os assola, lembramo-los de que Adão foi feito a partir do pó da terra (Gn 2.7), e mais: que os grandes luminares do universo (sol e lua) foram criados após a criação das ervas e relva na terra (Gn 1.14). Alguns também argumentam que o intuito da narrativa bíblica não é de cunho científico, devendo ser feita apenas uma leitura fria dos fatos e não como se comunicassem a realidade em si mesma. Mas, à semelhança do outro grupo, estes também erram, pois não entendem que os propósitos e poderes do Senhor são maiores que qualquer "prova científica". Se o Senhor pôde suster as plantas sem o sol e criar o homem a partir do pó da terra, então, criar uma auxiliadora a partir de uma costela foi coisa demasiadamente simples para Ele. Notemos ainda algo precioso nesses versos: "e trouxe-a a Adão". Após haver adormecido e lhe ser retirado uma das costelas, Adão não corre em desespero pelo jardim à procura de sua auxiliadora. Aliás, pela ordem da narrativa, parece-nos que nem ao menos ele sabia o que se passava naquele momento, talvez houvesse despertado de seu sono e simplesmente continuado a desfrutar da criação. Como dito, Adão teve uma atitude muito diferente de certos homens e mulheres atuais: que não veem a hora de encontrar seu cônjuge, e para isso, não medem esforços para irem a retiros "espirituais" na esperança de encontrarem o seu amor, ou ainda, que se enamoram com aquele(a) que tão somente satisfaça alguns poucos [nada bíblicos] requisitos pessoais. No entanto, ao contrário do senso comum, nos é dito implicitamente no texto que Adão aguardou ("e trouxe-a a Adão") - foi o Senhor que a levou para ele.

Observemos agora a reação de Adão ao lhe ser apresentado sua auxiliadora: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada” (Gn 2.23). Este homem deve ter vibrado de alegria! Imagino Adão correndo pelo jardim, pulando, cantando, gritando, subindo em árvores e dizendo: "Agora sim! Ela chegou! A maravilhosa criatura que Deus planejou para mim veio a existir! Que homem abençoado eu sou!". Para entendermos o motivo de tal alegria, devemos recordar que anteriormente, após ter nomeado todos os animais, nos é dito que "não se achava ajudadora idônea". Todavia, nesse instante, Adão via-se completo: "Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne;". A mulher que também havia sido planejada à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27), veio a lume e foi levada até ele. Adão reconheceu que diferentemente dos animais que não eram "osso dos meus ossos, e carne da minha carne", a mulher tinha suas particularidades que a distinguiam dos outros seres criados. "esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada" - o Dr. Joel Beeke comenta: "Adão diz: 'Esta, afinal' (verso 23a) — i.e., 'desta vez' — agora, finalmente, Adão encontra aquela que lhe corresponde. A íntima associação é enfatizada pelos seus nomes, desde que ela é chamada 'varoa' [ishah] porque foi tirada do varão [ish]. A palavra hebraica para 'varoa' é formada pelo acréscimo da terminação feminina '— ah' à palavra 'varão'. Uma diferença paralela seria leão e leoa, ou tigre e tigreza". [1]

Precisamos agora analisar mais detidamente o que viria a significar "far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele" (grifo meu). Se é verdade que muitos homens tem entendido essa característica de maneira completamente equivocada, é também correto afirmar que muitas mulheres se apartaram do devido ensino bíblicos - ambos precisam compreender qual o significado dessa sentença. Uma ajudadora idônea não é como uma escrava ou como uma vassala do rei que vive limpando seus pés e lhe trazendo comida na boca - se assim fosse, o adjetivo não seria "idônea, capaz, adequada", mas algo que denotasse inferioridade e completa inutilidade para servir de ajudadora. Ao contrário do que pode parecer, a Bíblia relata-nos que "a mulher é a glória do homem" (1 Co 11.7), isto é, a beleza, o esplendor e a realeza do homem é completa com sua companheira. Paulo de modo algum está diminuindo a grandiosidade da criação feminina ou desejando expressar que o homem tem o direito de ser um déspota e tirano para com ela - "A glória da mulher é que só ela pode completar o homem; sua humildade é que ela é feita do homem". [2] O homem que se encontrava sozinho na criação e "não... achava ajudadora idônea", agora é contemplado com uma fiel ajudadora. É preciso compreender esse ponto, pois anteriormente lemos: "E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar" (Gn 2.15 - grifo meu) - a ordem era clara para o homem: lavre e cuide do jardim em que lhe coloquei. Nesse ponto, não devemos entender a palavra "homem" como sendo gênero, do qual homem e mulher são espécies. Na língua hebraica há uma clara diferença para homem (ish) e para mulher (isha), donde depreende-se sem sombra de dúvidas que era o homem (do sexo masculino) quem deveria lavrar a terra - isso é também confirmado pelo fato da mulher ter sido criada posteriormente à essa ordenança (Gn 2.15, 19). Observamos ainda outro detalhe ligado a esse: enquanto para o homem foi dado o dever de lavrar e guardar a terra, à mulher não foi estendido tal dever; sequer foi estipulado à ela alguma tarefa com relação ao cuidado da terra e à sua manutenção - mas por quê? Encontramos a resposta no mesmo versículo que lemos: pois havia sido criada para ser sua "ajudadora idônea".

Eva foi criada a fim de ser uma ajudadora, uma auxiliadora capaz, prudente e que de fato fosse uma companheira inseparável de seu marido. O termo usado para a definir (ajudadora), aliado ao fato de Adão ter sido incumbido da tarefa de lavrar e guardar (cuidar) o jardim, denota esplendidamente sua qualidade familiar em auxiliar seu marido nas tarefas, porém, de maneira diferente da realizada pelo homem. Enquanto Adão deveria andar pelo jardim e cuidar da criação do Senhor, à mulher foi dito que lhe auxiliaria nessa tarefa. No entanto, não podemos apenas nos deter na narrativa da criação para entendermos as qualidades da mulher, pois embora a criação nos revele muitos detalhes, se somente olharmos para os versículos que estamos analisando, poderemos ter a falsa impressão de que Eva também deveria ajudar a "lavrar e guardar" a terra - o que de longe podemos afirmar que não é o intento bíblico. [3] Para o presente momento devemos nos contentar com a afirmação de que Eva deveria auxiliar de seu modo, isto é, todo auxiliador busca completar o serviço de outrem, da onde entendemos que o trabalho de Eva era essencialmente de completude, de fazer o trabalho que Adão não poderia e/ou não havia sido determinado, pois sua principal incumbência era "o lavrar e o guardar" da terra, ao passo de Eva ter qualidades diferentes de Adão.

No que vemos tratando, ainda cabe um comentário importante: ambos foram criados à imagem e semelhança de Deus e por isso não havia hierarquia com relação à santidade e justiça em seus corações. Homem e mulher tinham o reto entendimento e a razão firmemente ajustada, de modo que diante do Senhor, eram iguais em essência (eram imagem e semelhança de Deus - Gn 1.27), apesar de terem atribuições diferentes. Esse entendimento é também confirmado com a exclamação de Adão: "porquanto do homem foi tomada" - isto é, enquanto anteriormente ele observava os animais e neles não enxergava a imagem e semelhança de Deus neles contida, agora podia ver em tal mulher que ela era a melhor criação de Deus para ele, pois se fora criado à imagem do Senhor e ela dele proveio, poderia ter a certeza de que Eva compartilhava da mesma essência e ambos eram um.


Notas:
[1] BEEKE, Joel, disponível em: http://www.monergismo.com/textos/antropologia_biblica/criacao_mulher.htm - acessado dia 08.03.2012 às 13:00.
[2] BEEKE, Ibid.
[3] A mulher também tem o dever de cuidar da natureza, não poluir os rios, cuidar da terra, não matar animais sem motivo... mas a questão aqui é diferente, pois o termo "ajudadora" denota que faria outra atividade diferente de Adão.

sábado, 24 de março de 2012

Havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão - Jonathan Edwards


Todos estes outros frutos do Espírito são apenas para uma época,e, ou já cessaram, ou, em algum tempo, cessarão. Quanto aos dons mi­raculosos de profecia e de línguas, etc, eles são apenas de uso temporário, e não podem ser con­tinuados no céu. Eles foram dados unicamente como meios extraordinários de graça que Deus outrora agradou-se em conceder à sua igreja no mundo. Porém, quando os santos que outrora go­zaram do uso destes meios foram para o céu, tais meios de graça cessaram, pois eles não mais eram necessários. Não há ocasião para quaisquer meios de graça no céu, quer ordinários, tais como os comuns e estabelecidos meios da casa de Deus, quer extraordinários, tais como os dons de línguas, de conhecimento e de profecia. Ele afirma que não há lugar para quaisquer destes meios de graça serem continuados no céu, porque lá o fim de todos os meios de graça é completamente obtido na per­feita santificação e felicidade do povo de Deus. O apóstolo falando no capítulo 4 de Efésios, dos vários meios de graça, diz que eles são dados para "o aperfeiçoamento dos santos, para o desempe­nho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade''. Porém, quando isto tiver acontecido, e os santos estiverem aperfeiçoados, e já chegado à medida da estatura da plenitude de Cristo, então não haverá posterior ocasião para quaisquer destes meios, quer ordinários, quer ex­traordinários. Neste sentido isto é muitíssimo semelhante aos frutos da lavoura, que necessitam de cultivo, chuva e luz solar, até que estão ma­duros e são colhidos, e então não necessitam mais destas coisas.

E como estes dons miraculosos do Espírito foram apenas temporários com relação àquelas pessoas em particular, que os gozaram, assim eles são apenas para uma época com relação à igreja de Deus considerada como um corpo coletivo. Estes dons não são frutos do Espírito, que foram dados para serem continuados na igreja durante todas as épocas. Eles foram continuados ou pelo menos concedidos de vez em quando, ainda que não sem algumas consideráveis interrupções, desde o co­meço do mundo até que o cânon das Escrituras fosse completado. Eles foram outorgados à igreja antes do começo do cânon sagrado, isto é, antes que o livro de Jó e os cinco livros de Moisés fos­sem escritos. Naquele tempo as pessoas tinham a palavra de Deus de outra maneira, a saber, por revelação imediata de vez em quando dada à emi­nentes pessoas, que foram como que pais na igreja de Deus, e esta revelação foi transmitida deles para outros por tradição oral. Era uma coisa muito comum naquele tempo, o Espírito de Deus co­municar a si mesmo em sonhos e visões, como aparece em várias passagens no livro de Jó. Eles tiveram extraordinários dons do Espírito antes do dilúvio. Deus revelou a si mesmo de uma maneira imediata e miraculosa a Adão e Eva, e da mesma forma a Abel, e a Enoque, que, como somos in­formados (Judas 14), tinha o dom de profecia. E do mesmo modo Noé teve revelações imediatas que lhe foram feitas, e da parte de Deus avisou o mundo antigo; e Cristo, pelo Espírito de Deus falando através dEle, foi e pregou aos espíritos agora em prisão, que em algum tempo foram desobedientes, quando então a longanimidade de Deus esperava enquanto a arca estava sendo preparada (1 Pedro 3.19,20). E da mesma forma Abraão, Isaque e Jacó foram favorecidos com revelações imediatas, e José tinha extraordinários dons do Espírito, e assim também Jó e seus amigos. Desde este tempo até o tempo de Moisés, parece ter ha­vido uma interrupção dos dons extraordinários do Espírito; e do tempo de Moisés até o tempo de Malaquias eles foram continuados numa sucessão de profetas, ainda que com algumas interrupções. Depois deste, parece ter havido uma longa inter­rupção de uns quatrocentos anos, até a aurora do dia do evangelho, quando o Espírito começou no­vamente a ser dado em seus dons extraordinários, como para Ana, Simeão, Zacarias, Isabel, Maria, José e João Batista.

Estas comunicações do Espírito de Deus fo­ram dadas para preparar o caminho para Aquele que tinha o Espírito sem medida, o grande profeta de Deus, por meio de quem o Espírito é comu­nicado a todos os outros profetas. E nos dias da sua carne, os seus discípulos tiveram uma medida dos dons miraculosos do Espírito, sendo assim capacitados a ensinar e operar milagres. Mas de­pois da ressurreição e ascenção, houve a mais completa e notável efusão do Espírito em seus dons miraculosos que jamais aconteceu, começando com o dia de Pentecostes, depois que Cristo res­suscitara e ascendera ao céu. E como conseqüência disto, não somente aqui e ali uma pessoa extraor­dinária era dotada com estes dons extraordinários, mas eles eram comuns na igreja, e assim conti­nuaram durante a existência dos apóstolos, ou até à morte do último deles, até mesmo à do apóstolo João, que aconteceu cerca de 100 anos depois do nascimento de Cristo; de modo que os primeiros cem anos da era cristã, ou o primeiro século, foi a era dos milagres. Todavia, logo depois daquilo, tendo sido completado o cânon das Escrituras quando o apóstolo João escreveu o livro de Apo­calipse, pouco antes da sua morte, estes dons miraculosos não mais foram continuados na igreja. Pois agora havia sido completada uma firme re­velação escrita da mente e da vontade de Deus, na qual Deus tinha plenamente gravado uma per­manente e suficiente regra para sua igreja em todas as épocas. E sendo desfeita a nação e igreja judia, e sendo estabelecida a igreja cristã e a última dispensação da igreja de Deus, os dons miraculosos do Espírito não eram mais necessários, e, portanto, cessaram, pois, ainda que haviam continuado na igreja por tantas épocas, eles cessaram.

Deus os fez cessar porque não havia ocasião posterior para eles. E assim foram cumpridas as palavras do texto: "havendo profecias, desapare­cerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará". E agora parece haver um término para todos os frutos do Espírito tais como estes, e nós não temos razão para esperá-los mais. E quanto àqueles frutos do Espírito que são comuns, tais como a convicção, a iluminação, o crer, etc., que são comuns tanto para o crente como para o in­crédulo, estes são dados em todas as épocas da igreja no mundo; e ainda com respeito às pessoas que têm estes dons comuns, eles cessarão quando elas morrerem; e com respeito à igreja considerada coletivamente, eles cessarão, e não haverá mais deles depois do dia do julgamento. Eu passo, então, a mostrar como foi proposto. 

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Nota do autor do blog: Quando o autor fala sobre o fechamento do cânon, creio não estar falando do fechamento literal (que foi bem posterior à morte do último apostolo), mas sim do encerramento daqueles que receberam a revelação de Deus.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A Vontade de Deus é Una e Soberana


Mas, visto que até aqui mencionei apenas coisas que são transmitidas na Escritura de forma clara e sem ambigüidade, é preciso ver os que não hesitam em tisnar os oráculos celestes de sinistras marcas de ignomínia, e de que gênero de censura fazem uso. Ora, se com falsa aparência de ignorância anelam ao louvor da modéstia, que de mais altivo se pode imaginar que opor à autoridade de Deus uma opiniãozinha insignificante: “Meu parecer é outro”, ou: “Não me agrada abordar isso”? Se ao contrário se põem abertamente a maldizer, que proveito fruirão arremetendo-se contra o céu a cuspir?

Certamente não é novo o exemplo desta petulância, porquanto têm havido em todos os séculos homens ímpios e profanos que, de raivosa boca, ladrassem contra este aspecto da doutrina. Mas haverão de sentir realmente que é verdadeiro o que o Espírito proclamou outrora pela boca de Davi [Sl 51.4]: que Deus vence quando é julgado. Davi indiretamente espicaça a insânia dos homens nessa exorbitância tão desenfreada, visto que, de seu atoleiro, não só litigam contra Deus, mas ainda arrogam para si poder de condená-lo! 

Enquanto isso, adverte ele em termos breves, que as blasfêmias que vomitam contra o céu não atingem a Deus, senão que, dissipadas as nuvens de suas cavilações, ele faz brilhar sua própria justiça. Também nossa fé, já que está alicerçada na Sagrada Palavra de Deus, paira acima de todo o mundo [1Jo 5.4], de sua alturas despreza essas nuvens. Ora, facilmente se refuta o que objetam, em primeiro lugar, isto é, que se nada acontece a não ser que Deus o queira, há nele duas vontades contrárias, porquanto, de seu desígnio secreto, decreta o que abertamente proibiu através de sua lei. Contudo, antes que eu responda, quero de novo prevenir os leitores de que esta cavilação não se volta contra mim; ao contrário, é contra o Espírito Santo que, de fato, ditou ao santo varão Jó esta confissão: “Como aprouve a Deus, assim se fez” [Jó 1.21]. Como fora despojado por ladrões, reconhece no dano e malefício que fizeram o justo azorrague de Deus.

Que diz a Escritura em outro lugar? “Os filhos de Eli não obedeceram ao pai, porque Deus os queria matar” [1Sm 2.25]. Proclama ainda outro Profeta: “Deus, que habita no céu, faz tudo quanto quer” [Sl 115.3]. E, com clareza suficiente, já mostrei que todas essas coisas que esses censores querem que aconteçam somente
por sua permissão passiva, Deus é chamado o autor de todas elas. Ele testifica que cria a luz e as trevas, que forma o bem e o mal” [Is 45.7]; que nada de mau acontece que ele mesmo não o tenha feito [Am 3.6].

Rogo, pois, que digam se Deus exerce seus juízos porque assim o quer, ou a despeito de não o querer? Mas, da mesma forma que Moisés ensina [Dt 19.5] que, por eficiência divina, aquele que é morto pelo desvio acidental de um machado foi entregue à mão do que o fere, assim também diz à Igreja toda, em Lucas [At 4.28], que Herodes e Pilatos se mancomunaram para fazer o que a mão e o desígnio de Deus haviam decretado. E, com efeito, a não ser que Cristo houvesse sido crucificado porque Deus assim o quis, donde teríamos redenção?

Contudo, nem por isso Deus se põe em conflito consigo mesmo, nem se muda sua vontade, nem o que quer finge não querer; todavia, embora nele sua vontade seja uma só e indivisa, a nós parece múltipla, já que, em razão da obtusidade de nossa mente, não aprendemos como, de maneira diversa, o mesmo não queira e queira que aconteça. Paulo, onde disse que a vocação dos gentios era “um mistério escondido” [Ef 3.9], acrescenta, pouco depois [Ef 3.10], que nela manifestara a [multifária] sabedoria de Deus. Porventura porque, em decorrência da lerdeza de nosso entendimento, a sabedoria de Deus se afigura múltipla, ou, como a verteu o tradutor antigo, multiforme, deveríamos nós, por isso, sonhar no próprio Deus qualquer variação como se mudasse de plano ou divergisse de si mesmo?

Antes, quando não apreendemos como Deus queira que se faça o que proíbe fazer, venha-nos à lembrança nossa obtusidade, e ao mesmo tempo consideremos que a luz em que ele habita não em vão se chama inacessível [1Tm 6.16], já que de trevas é rodeada. Logo, de bom grado, aquiescerão a esta ponderação de Agostinho131 todos os piedosos e despretensiosos: “Por vezes, com uma vontade boa, um homem quer algo que Deus não quer, como, por exemplo, se um bom filho quer que o pai viva, a quem Deus quer que morra; por outro lado, pode acontecer que, de má vontade, um homem queira o mesmo que, de boa vontade, Deus quer, como, por exemplo, se um filho mau queira que o pai morra, e isso também Deus queira. Isto é, aquele quer o que Deus não quer; este, porém, quer o que também Deus quer. E no entanto a piedade daquele, ainda que a querer coisa diferente, mais se coaduna com a vontade boa de Deus, do que a impiedade deste a despeito de querer o mesmo.

Tanto importa que seja próprio ao homem querer, que o seja a Deus, e a que fim se inclina a vontade de cada um, de sorte que ou seja aprovada ou seja reprovada. Ora, mediante as vontades más de homens maus Deus executa o que quer de boa vontade. Aliás, pouco antes Agostinho havia dito que, por sua revolta, os anjos apóstatas, e todos os réprobos, quanto respeita a si próprios, haviam feito o que Deus não queria; quanto, porém, respeita à onipotência de Deus, isto de modo algum teriam podido fazer, porque, enquanto o fazem contra a vontade de Deus, lhe é feita a vontade no que a eles se refere. Donde exclama: “Grandes são as obras de Deus, excelentes em todas as suas vontades [Sl 111.2]; e assim, de maneira mirífica e inefável, não se faça, exceto por sua vontade, o que se faz mesmo contra sua vontade, porque não se faria se ele não o permitisse; nem o permite, como se de qualquer forma não o quisesse; ao contrário, porque o quer; mesmo sendo bom não permitiria que mal se fizesse, exceto que, onipotente, até em relação ao mal pudesse fazer bem.”

Fonte: João Calvino - As Institutas, Edição Clássica, Livro I, págs 227-229.

terça-feira, 20 de março de 2012

Efésios 1.4 (parte 4) - A Finalidade da Eleição - Exposição em Efésios - Sermão pregado dia 18.03.2012



Efésios 1.4 (parte 4) - A Finalidade da Eleição
Exposição em Efésios - 
Sermão pregado dia 18.03.2012

"Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor" (Ef 1.4 - grifo meu).

Tendo em vista as questões já anotadas sobre a eleição, reprovação e também sobre o determinismo bíblico, é necessário que visualizemos qual a finalidade desses atos criativos e redentivos do Senhor, pois se desejamos compreender "qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade" (Ef 3.18) de Cristo que é expresso e vivo em Seus filhos, precisamos atentar para qual mudança de vida somos levados e o que isso implica de nossa parte para com o Senhor.

"Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça" (Rm 1.18). Não são poucas as vezes que lemos nas Escrituras sobre a ira de Deus e Sua justiça que se manifesta patente em todas as áreas da vida humana. Por todos os lados temos relatos de homens e mulheres que foram afligidos por toda sorte de trevas, dificuldades, doenças e até mesmo a morte - mas por quê? Porque esse é o salário do homem pecador - "o salário do pecado é a morte" (Rm 6.23a). No entanto, nem sempre os homens sofrem tanto nessa terra pelos seus pecados cometidos; não raras vezes, à semelhança do espanto do escritor no Salmo 73, vemos que o ímpio prospera e tudo lhe parece ir bem - sua família cresce feliz, seus filhos lhe são obedientes, sua esposa lhe é querida e estimada, sua empresa cresce conforme o ritmo do mercado de trabalho... tudo lhes parece ser favorável e coisa alguma - aparentemente - lhe dá errado. Todavia, apesar de termos duas classes de homens ímpios nessa terra - aqueles que sofrem e os que "não sofrem tanto assim" -, ambos tem sua paga restrita à essa terra e no dia que lhes está marcado receberão a morte física e eterna como salário de tudo o que plantaram nesse terra.

"Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer" (Rm 3.10). Essas palavras de Paulo são um reflexo daquilo que o criador disse em Gn 6.5: "E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente". Em nossos dias, a maldade humana se multiplica e se prolifera como um vírus maligno, incurável e que atinge indistintamente a todas as pessoas. Muito semelhante ao relato do dilúvio, onde toda a terra havia se pervertido e que por isso "toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente", também são os atuais, onde o iníquo convive ao lado do crente, onde o maligno anda nas mesmas ruas que o santo, onde o joio cresce em meio ao trigo... Mas, então, como podemos atestar em nossas vidas que estamos vivendo uma eleição advinda da graciosa mão do Senhor e de que forma ela deve ser manifesta em nossas vidas? 

Em primeiro lugar, Deus no chamou para sermos santos, isto é, separados, colocados com outro propósito e destino específico. Esse fato já se mostrou patente nos dias do patriarca, quando ouviu: "Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei" (Gn 12.1). Deixar a família nunca não é uma atitude agradável ou que traga felicidade momentânea - então por que o Senhor ordenou isso a Abrão? "E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.2-3). Quando ordenou que o patriarca deixasse sua família e se retirasse para a região que lhe estava destinado, o propósito maior de tudo isso era para que Abrão fosse abençoado e por meio dele "todas as famílias da terra" seriam benditas. Isso é ainda mais grandioso quando olhamos para nossas vidas e percebemos que é por meio das bênçãos proferidas a esse homem que hoje podemos desfrutar das riquezas e grandezas das glórias do Senhor, pois outrora éramos gentios e separados do reino de Deus, mas pela Sua infinita graça fomos resgatados pelo sangue de Cristo e feitos co-participantes de Sua justiça.

Quando o apóstolo escreve que a razão de nossa eleição foi para que fôssemos "santos", isso precisa ser gravado em nossos corações, pois a santidade - "sem a qual ninguém verá o Senhor" (Hb 12.14) - é indispensável para a vida do cristão. Um homem santo é aquele que segue o conselho do salmista e não "se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite" (Sl 1.1-2). O homem que foi verdadeiramente salvo pelo Senhor começa a odiar o pecado, a ter um nojo pelas coisas malignas. Ao olhar para sua vida passada e para tudo o que seus olhos e mãos já realizaram, deve sentir repulsa e uma profunda angústia por todo pecado cometido contra o santo Senhor e criador de todas as coisas. Daí essa ser a razão de Paulo dizer aos crentes de Éfeso de que tendo o Senhor elegido seus filhos antes da fundação do mundo, isso não era para simplesmente os alegrar e os tornar indiferentes, mas sim para que tivessem suas vidas transformadas pelo poder vivificador do Espírito Santo em suas vidas. Uma vez que a determinação de Deus se dá "antes da fundação do mundo", o homem precisa entender que se hoje se encontra nos braços do pai, tudo o que foi pretérito em sua vida, de alguma forma contribuiu para seu crescimento - apesar de todos os pecados! Se uma das finalidades da eleição é nos tornar santos aos olhos do Senhor, Ele não poderia ora nos olhar como pecadores, ora como salvos; ora destituídos da Sua glória, ora ornamentados com Seu esplendor. Cristo, que tem em si todo bom, reto e justo conselho, teve por bem nos eleger antes mesmo de fazermos qualquer obra boa ou má - da mesmíssima forma que se deu com Jacó e Esaú (Rm 9.11).

Em segundo lugar, a santidade para o qual fomos destinados, não implica em dizer que tudo nos correrá bem nessa terra, pois o intento do termo santidade vem a significar a separação, a ruptura, a quebra, o anular e o rejeitar de tudo aquilo que não condiz com os basilares firmemente postos sob a cruz de Cristo. Nosso próprio Senhor já disse: "Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; E assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim. Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á" (Mt 10.34-39). As palavras do mestre certamente falam de maneira incisiva aos nossos corações, pois de modo parecido com o que se Deus com Abrão, Cristo também nos diz que Ele não veio ao mundo para nos tornar mais amigos do mundo e mais desejosos de vivermos as pecaminosidades que as trevas nos oferecem; pelo contrário, nos afirmou que veio trazer espada - até mesmo contra as pessoas que mais amamos nessa vida. Entretanto, o que vem a significar a espada que o Messias veio trazer?

1. A espada representa uma bandeira pela qual lutar. Quando posteriormente o apóstolo Paulo falará sobre a armadura que o crente deve vestir, ele também menciona tal artefato de guerra, dizendo: "Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus" (Ef 6.17 - grifo meu). Isso precisa ser muito vivo em nossas vidas, pois da forma que Paulo colocou, nosso Senhor nos disse que o evangelho, isto é, Sua própria palavra, viria e muitas vezes seria motivo para que família inteiras fossem destruídas e separadas de sua unidade. Porém, essa separação não se dará por algum motivo qualquer da parte do Senhor, mas "Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (Rm 3.23), o evangelho que é contrário às modas, filosofias e pensamentos desse mundo vil, certamente compreende a ruptura de muitas amizades, alegrias, passatempos e também da unidade familiar. Mas não devemos entender essas palavras do Senhor como sendo uma ordenança para que nos apartemos de nossos lares familiares, pois ainda que sejamos ensinados sobre a potencialidade de sermos rejeitados pela família, não devemos jamais nos esquecer do quinto mandamento - "Honra a teu pai e a tua mãe" (Êx 20.12). Também, nesse sentido familiar, lembremos igualmente que Cristo, ao proferir tais palavras, encontrava-se em Seu ministério terreno e inaugurava a era onde em gentios seriam alcançados pelo poder de Sua palavra. Então, tendo em vista que a família judaica até o momento não compreendia que os gentios (isto é, os não judeus) poderiam ser salvos, seria de se esperar que quando o evangelho fosse anunciado àqueles que outrora foram seus inimigos, isso incitasse todo tipo de dúvida, intriga e separação dos vínculos, pois já não estariam mais restritos à sua nação, uma vez que o Senhor suscitaria filhos de todos os quatro cantos do mundo.

2. A espada representa o poder do Espírito de Deus. Não é sem motivo que Deus nos tem legado todo um Antigo Testamento repleto de guerras e batalhas sendo travada contra todos os inimigos do povo judeu, pois assim como naqueles tempos o Senhor se apresentava ao povo de Israel por meio de Seu poderio militar e os conduzia em vitórias mil, hoje o Senhor nos ensina que Sua espada já não vem mais - necessariamente, não exclusivamente - por meio físico, mas pela força que o Senhor tem em Sua palavra registrada e deixada para todos nós. Quando Cristo falou sobre a divisão que havia vindo trazer, se referia também ao poder que Sua palavra salvadora e transformadora na vida de todos os Seus filhos. A mudança de mente e mudança de atitude que deve ocorre na vida dos crentes é sempre fruto do poder do Espírito Santo que habita em nós e nos transforma à estatura do varão perfeito que é Cristo. Quando um homem carrega a espada do Senhor e a tem como única arma de ataque às setas do maligno, ele (o maligno) não pode vencê-lo (o crente) e tirar-lhe a coroa da vitória, pois quem peleja por ele é o Senhor dos Exércitos, "mais temível do que todos os deuses" (Sl 96.4).

Em terceiro lugar, é mister que olhemos para a santidade do Senhor a fim de que possamos compreender o que Ele requer de nós ao afirmar que fomos eleitos para sermos santos. Ao dizer-nos que fomos eleitos para a santidade, o Senhor está nos ensinando que se não for por Sua graciosa e bondosa mão sobre nossas vidas, jamais poderemos ser separados e irmos até Sua presença. Esse é um dos grandes motivos pelo qual a Bíblia revela-nos constantemente que o Senhor habita nos mais altos céus, nas mais insondáveis riquezas que qualquer homem pode imaginar, pois uma vez que a santidade do Eterno não reside automaticamente em Seus filhos e todos descendem de Adão e Eva, logo, todos vem vêm a lume já concebidos em pecado (Sl 51.5).

Sendo tudo isso verdade, a saber, que fomos eleitos para sermos santos e separados desse mundo vil, seja em nossos pensamentos ou atitudes, precisamos dar sequência à narrativa de Paulo e visualizarmos que a santidade carrega uma bênção anexa a ela: a irrepreensibilidade diante do Senhor - "para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele". Tendo sido eleitos n'Ele antes da fundação do mundo, com o propósito de sermos santos, isso igualmente se desdobra do entendimento que o Senhor deu a Paulo, isto é, de que a santificação implica em grande alegria e glória ao homem caído e pecador, pois agora já não é repreensível, ou seja, não mais se encontra sob a ira e terror de Deus, mas é recebido por Cristo Jesus nos laços do amor eterno. Quando o Senhor chama os seus para uma vida de santidade, isso também é acompanhado de um profundo senso de poder ser recebido pelo Senhor. Quer dizer, se outrora éramos filhos da ira e merecíamos - tal qual os ímpios - o salário do pecado, uma vez tendo sido feito santos diante do Senhor, Ele mesmo nos acolhe para si e nos torna participantes da Sua glória. "Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer" (Jo 15.15).

Por fim, o apóstolo responde sobre que base o Senhor resolveu eleger os Seus filhos para que fossem santos e irrepreensíveis: "para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor" (grifo meu). Em sua primeira carta aos coríntios, Paulo escreve-lhes dizendo: "E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria" (1 Co 13.2 - grifo meu). Essa relação também é importante em nossa relação em Cristo, pois uma vez que o amor é a fonte de todo o bem, o Senhor também nos elegeu n'Ele por amor do Seu nome - "Nós pecamos como os nossos pais, cometemos a iniqüidade, andamos perversamente. Nossos pais não entenderam as tuas maravilhas no Egito; não se lembraram da multidão das tuas misericórdias; antes o provocaram no mar, sim no Mar Vermelho. Não obstante, ele os salvou por amor do seu nome, para fazer conhecido o seu poder" (Sl 106.6-8).

Dessas proposições tiramos 4 aplicações para nossas vidas:

1. A eleição estimula-nos à humildade diante de Cristo.

"E, quando vós estáveis mortos nos pecados, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas" (Cl 2.13). Não há nada mais vil e maligno do que afirmar que a eleição leva os filhos de Deus à uma arrogância e inatividade nesse mundo, apenas porque - supostamente - se acham mais superiores do que os não alcançados. O próprio apóstolo Paulo censura esse tipo de pensamento contrário, ao dizer: "Porque, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho!" (1 Co 9.16). Quando vimos que a eleição se deu antes da fundação do mundo, notamos que não houve nenhum palpite que pudéssemos dar ao Senhor para que Ele mudasse o rumo da história ou que se compadecesse de outras criaturas que não Lhe aprouve intentar salvar. A humildade é firme característica de um verdadeiro regenerado pelo Espírito Santo, pois uma vez que reconhece ter vindo do pó da terra e nada levar quando se vai desse mundo, compreende que apesar de todas as mazelas sentidas e vividas por causa de seu pecado, o Senhor o leva constantemente a uma humilhação interior e um regozijar-se na graciosa e superabundante graça do Senhor - pois "onde o pecado abundou, superabundou a graça" (Rm 5.20).

2. A eleição leva-nos para uma vida separada ao Senhor.

"Portanto santificai-vos, e sede santos, pois eu sou o SENHOR vosso Deus" (Lv 20.7; 1 Pe 1.15, 16). Todas as leis veterotestamentárias buscavam ensinar a santidade que os santos do Senhor deveriam viver diante do Senhor. Até mesmo a lei que não permitia a mistura de animais num mesmo campo ou a que proibia o uso de dois tipos de fios diferentes (Lv 19.19), estavam prescritas pelo Senhor para que lhes fossem ensinado que uma vez tendo sido escolhidos pelo Senhor e pela Sua graça (pois a graça do Senhor sempre esteve presente na face da terra - Cristo não veio inaugurar uma nova graça no Novo Testamento), deveriam se abster de qualquer mistura e miscigenação, pois o Artífice estava a lhes ensinar que uma vez tendo sido separados do restante dos povos da terra, precisavam compreender que o Senhor os havia escolhido para um propósito específico e que não poderia falhar. Se assim foi no Antigo Testamento, quanto mais no advento de Cristo, onde constantemente somos informados a não sermos como esse mundo, isto é, a agirmos diferente, odiando o que o mundo ama e a amando àquilo que o mundo odeia. A vida do crente precisava ser nitidamente diferente e avessa àquela que o mundo leva. Enquanto os dias de vida do ímpio servem para sua condenação e para que amontoe ira do Senhor sobre sua cabeça, o cristão deve buscar viver todos os momentos para a glória do Senhor - "Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1 Co 10.31).

3. A eleição nos conforta em meio às dificuldades da vida.

"Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo" (Fp 1.6). Não foram poucos os homens piedosos que sofreram as mais terríveis angústias que o Senhor poderia lhes reservar. O próprio apóstolo Paulo relata-nos algumas das dificuldades que sofreu por amor a Cristo: "Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; Em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas" (2 Co 11.24-28). Não fosse pela graça soberana do Senhor que elegera esse antigo perseguidor da causa de Cristo, certamente que na primeira dificuldade já teria abandonado seu chamado e voltaria a combater contra o cristianismo, pois lá era tido em alta honra e todos o temiam. No entanto, apesar de toda ignomínia que sofreu de seu povo e todas as dificuldades que teve de enfrentar, sempre levava consigo que o mesmo Senhor que havia-o chamado no caminho de Damasco (At 22.6), também o fortaleceria em todas as suas dificuldades.

4. A eleição faz-nos amar mais e mais o Senhor.

"Há muito que o SENHOR me apareceu, dizendo: Porquanto com amor eterno te amei, por isso com benignidade te atraí" (Jr 31.3). Como fruto do amor paternal de Cristo sobre Seus filhos, o Senhor lhes infunda um profundo desejo e afeições por aquilo que anteriormente seu coração e mente rejeitavam. Uma vez tendo compreendido que o Senhor os alcançou por meio de Sua eleição eterna, todos os crentes deveriam anelar a cada segundo pela presença de Deus em suas vidas; é isso que Paulo escreve aos irmãos de Colosso: "A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração" (Cl 3.16). Notemos que o adjetivo usado por Paulo é abundante, isto é, rico, volumoso, mais do que necessário, pois se de fato fomos eleitos pelo Senhor, a palavra de Deus necessariamente precisa estar dia e noite em nossos corações. Tal qual como o salmista buscava ter seus pensamentos sempre voltados para a Lei do Senhor, assim também deve ser nosso viver cotidiano sob a face de Cristo, pois estando cônscios de Ele nos atraiu para Si por meio de Seu eterno amor - "e isto não vem de vós, é dom de Deus" (Ef 2.8) - precisamos buscar maximizar todas as oportunidades do dia para que sempre tenhamos o Senhor à nossa frente e possamos rogar-Lhe para que faça-nos mais amantes de Sua palavra e ensine-nos constantemente a andar com Ele andou.

Amém.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Série: Homem e Mulher os criou - parte 1 - O Homem e a Criação - Sermão pregado dia 18.03.2012



Série: Homem e Mulher os criou - parte 1 - 
O Homem e a Criação
Sermão pregado dia 18.03.2012

Em dias como os de hoje, é de se lamentar que precise ser feita uma exposição sobre o que é um homem e o que vem a ser uma mulher. Tristes momentos vivemos onde já não chama-se o recém nascido de menino ou menina, mas sim, apenas de "bebê", pois se diz que cabe à criança e a seu futuro o determinar qual linha sexual irá preferir e se adequar melhor. Já se foi o tempo em que os pais buscavam ser bons exemplos em casa; o homem como referência na liderança e provimento do lar e a mãe como fiel auxiliadora e mui importante ajudadora nas tarefas domésticas. No entanto, por outro lado, recebemos o "alento" de saber que desde os tempos bíblicos a sociedade corrompe-se e logo se enamora com filosofia pagãs, pois esse é o destino de todos os filhos da ira de Deus - homens e mulheres que desejam "viver suas vidas", pouco importando se estão ou não de acordo com a Lei do Senhor. É, portanto, dado a esse fato, que precisamos resgatar o entendimento bíblico sobre a criação e suas respectivas funções.

Não é sem motivo que nossas Bíblias começam com "No princípio criou Deus os céus e a terra" (Gn 1.1). Essa sentença precisa ecoar muito forte em nossos corações, pois não foi debalde que ali foi posta, mas assim foi feito porque Moisés estava a narrar o início de todas as coisas criadas por Deus e em Sua soberania e sabedoria aprouve nos legar sobre como todas as coisas foram criadas em seu estágio de nascimento. Por sabermos que toda a Escritura é inspirada por Deus (2 Tm 3.16,17), deveríamos nos dedicar ao entendimento do que o Senhor realizou e criou nos primórdios de Seus feitos. É correto estarmos cônscios de que não ao cabe ao homem perscrutar a vontade eterna e imutável do Deus transcendente, contudo, também não é bíblico nem seguro crer que a narrativa de Gênesis é apenas uma suposição de Moisés sobre como as coisas foram feitas, ou ainda, como desejam certos filósofos, que o gênero narrativo é de cunho exemplificativo, nada tendo em ligação com a realidade em si, como se homem, mulher, animais, jardim e pecado fossem concepções abstratas, do qual depende da vontade humana o "desvendar" dos mistérios inseridos nessas figuras.

A palavra de Deus nos revela que o homem foi criado apenas no último dia da criação. "E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança... e foi a tarde e a manhã, o dia sexto" (Gn 1.26, 31). Mas por quê? Muitos gnósticos [1] poderiam argumentar que o motivo se deve ao fato da matéria ser má, daí Deus não desejar criá-lo por primeiro, e sim por último, mostrando que deve ser banalizado. Alguns pensadores "alternativos", quem sabe explicariam que tudo se deu para mostrar ao homem que, embora tenha sido feito no final do ciclo da criação, o intuito do Senhor era para mostrar que um ele deveria se erguer e buscar ser maior do que a natureza anteriormente criada, haja vista o Senhor ter lhe dado a ordem de subjugá-la. No entanto, não é isso que a Bíblia nos ensina.

Para entendermos esse ponto, é preciso que tenhamos em mente que Deus criou tudo conforme Seu bem querer eterno e decretado até mesmo antes da fundação do universo. Nada, absolutamente nada saiu (e sai!) fora do controle divino ou foi criado aquém do intento do Artífice da criação. A soberania plena de Deus também nos ensina que Ele não somente criou o tudo o que veio à lume por Suas mãos, mas que também tudo sub-existe n'Ele mesmo e para Ele - "Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente" (Rm 11.36).

Se tudo foi veio por meio do Senhor, deduz-se claramente que todas as coisas foram criadas visando o bem de Suas criaturas, não sendo sequer qualquer vegetal ou animal um elemento inútil na criação. Até a mais ínfima partícula de pólen das flores ou o maior dos animais selvagens, todos, sem exceção tinham um propósito único e definido pelo Senhor. Eis, então, a nossa resposta: Deus criou o homem somente após prover-lhe todo sustento necessário para sua existência, levando-o a considerar Sua bondade e providência para com ele - "Considera, pois, a bondade... de Deus" (Rm 11.22).

Toda luz, noite, luminares, águas, terras, ervas, plantas e animais que o Senhor criou, foram feitos para o louvor da Sua glória, pois o Senhor não precisa de coisa alguma que acresça à Sua auto existência, sendo a consequência de que tudo o que faz redunda em glórias ao Seu nome. No entanto, não obstante tal condição que Lhe assiste, o Eterno teve por bem prover ao homem os melhores e mais adequados meios para sua orientação, guarida e sustento. Aprouve ao homem ser agraciado pelas bênçãos sem medida vindas das mãos graciosas do Senhor que a tudo sustém e controla. Aqui, porém, precisamos notar que a criação é o meio pelo qual o Senhor sustenta e cuida de Seus filhos, no entanto, não é apenas o único.

A narrativa bíblica nos diz que o primeiro ato do Senhor foi criar a luz e fazer a separação entre as trevas e ela (Gn 1.3), e é somente mais adiante é que somos informados que Ele veio a criar os luminares (Gn 1.14). Nesse ponto reside grande dúvida dos cientistas e teólogos curiosos, pois perguntam-se como pode ter sido possível as plantas e ervas sobreviveram sem a luz do sol, visto que ele foi criado posteriormente a ela? Se indagam e se digladeiam entre si sobre qual a explicação para tal fenômeno: se houve erro na tradução bíblica, onde o correto seria primeiro listar o sol, depois a luz e por fim as ervas, ou se Moisés estava a falar apenas de tempos ou eras de criação, não tendo o relato bíblico o intuito de ser literal... Contudo, penso que ambos estão errados.

Calvino nos explica magistralmente o porquê da das plantas existirem antes do sol: "Mas o Senhor, para que a si reivindicasse o pleno louvor de tudo isso, não só quis que, antes que criasse o sol, existisse a luz; mais ainda: que a terra fosse repleta de toda espécie de ervas e frutos (Gn 1.3, 11, 14). Portanto, o homem piedoso não fará do sol a causa quer principal ou necessária destas coisas que existiram antes da criação do sol, mas apenas o instrumento de que Deus se serve, porque assim o quer, já que pode, deixado este lado, agir por si mesmo com nenhuma dificuldade". [2]

O reformador é cirúrgico em nos dar um vislumbre da Soberania de Deus em face de Sua providência, pois ainda que Deus tenha feito vir a existir todas as coisas para Seu próprio deleite e também cuidado e preservação do homem que criara, o intento do Criador não era de legar ao homem uma vã esperança nos elementos criados, ou ainda, um senso de amor pela "mãe natureza" como se ela se auto gerisse e buscasse por si mesma cuidar do homem que estava a seu dispor. O intento do Senhor ao inspirar Moisés no registro era para que o homem compreendesse que, ainda que toda criação esteja a seu dispor, ele não deve ter um apego maior do que o intentado pelo Senhor; daí o Soberano já prover um meio de ensinar ao homem tal lição, isto é, que Ele pode sustentar tudo debaixo da terra mesmo sem um dos elementos principais de nossas vidas: o sol e sua força revigorante. [3]

Em Gn 1.26 lemos que o Deus trino formou o homem à sua imagem e semelhança - mas o que viria a ser isso? "Nem mais veementemente contenderei, caso alguém insista que sob o conceito de imagem de Deus deve-se levar em conta que 'os outros animais, enquanto se inclinam para baixo, o solo contemplam, ao homem se deu um semblante voltado para cima e determinado a contemplar o céu e as estrelas, erguendo seu vulto ereto', contanto que isto fique estabelecido: que a imagem de Deus, que se percebe ou esplende nestas marcas exteriores, é espiritual... à semelhança, como se estivesse a dizer que iria fazer um homem no qual, mediante marcas impressas de semelhança, haveria de representar-se a si próprio como numa imagem. Por isso, referindo o mesmo pouco depois, Moisés repete duas vezes a frase imagem de Deus, omitindo a menção da semelhança... Com esta expressão se denota  a integridade de que Adão foi dotado, quando era possuído de reto entendimento, tinha afeições ajustadas à razão, todos os sentidos afinados em reta disposição e, mercê de tão exímios dotes, verdadeiramente refletia a excelência de seu Artífice... Nem em vão, porém, ressalta Moisés, mediante este designativo peculiar, imagem e/ou semelhança, a graça de Deus para conosco, especialmente quando o homem é comparado apenas às criaturas visíveis". [4]

Quando o Senhor se pôs a criar o homem, colocou em seu espírito Sua imagem e semelhança. Mas como bem ditou o reformador, não devemos entender imagem e semelhança como sendo duas coisas distintas, mas apenas duas formas de se dizer o mesmo intento, pois isso é mais do que comum na literatura hebraica. [5] Também não podemos imaginar que imagem e semelhança digam respeito ao seu caráter corpóreo, pois a própria Bíblia nos ensina que Deus é espírito (Jo 4.24), da onde podemos seguramente concluir, na expressão de Calvino, que tais menções a mãos, braços, amor, paixão e quaisquer outros elementos físicos e humanos, nada mais são do que "antropomorfismos pedagógicos", ou seja, Deus utilizando-se da linguagem humana para nos ensinar. A imagem e semelhança de Deus no homem diziam respeito ao seu reto juízo e entendimento adequado das situações.

A narrativa de Gn 2 nos conta que enquanto o Senhor estava a criar toda a natureza, também fez um belo e magnífico jardim que estava repleto das mais doces e exuberantes árvores, sendo aquele lugar certamente muito mais esplendoroso do que tudo que podemos imaginar. Certamente que até mesmo a menor das árvores era adornada pelos cristais do céu, os rios que o cortavam refletiam a beleza encantadora da criação e os pássaros não somente voavam, mas entoavam canções de louvor ao Senhor (Sl 150.6). Tudo que saltava aos olhos de Adão lhe era agradável; absolutamente coisa alguma havia onde se pudesse apontar algum efeito. Cada pedaço de terra recebia a porção exata de chuva e sol vindas dos céus, as plantas não produziam seu veneno, os animais não cobiçavam uns aos outros, nem o homem os matava para sobreviver. [6] Se pudéssemos projetar algo para competir com tão belo jardim, nosso projeto final assemelhar-se-ia àquela dos países após serem arrasados pelas guerras mundiais. Sem sombra de dúvidas que o Éden era o mais belo lugar para o Senhor colocar o homem.

Mas, apesar de toda beleza e grandiosidade que se faziam presentes naquele jardim, O Senhor também havia plantado a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.9). As Escrituras não nos revelam como seria essa árvore, seu tamanho, forma ou cor, por isso devemos evitar toda superstição e curiosidade excessiva; no entanto, ela é mais do que enfática em dizer que, apesar de sua formosura, tal não deveria ser alvo do desejo de Adão; por isso lhe foi dito: "E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gn 2.16-17).

Tendo então feito o homem e colocado no Éden, o Senhor disse: "E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar" (Gn 2.15 - grifo meu) - mandamento esse também expresso anteriormente: "domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra" (Gn 1.26). Qualquer que seja a tradução bíblica que utilizarmos (desde que com um mínimo de prestígio ao texto bíblico nas línguas originais), todas trarão o verbo "dominar" ou "reinar" no imperativo. A palavra do Senhor ao criar o ser humano foi: domine, lavre e guarde (cuide) o jardim, a responsabilidade é sua - e foi isso que Adão começou a fazer logo que lhe foi levado os animais para que lhes desse o respectivo nome (Gn 2.19). Aqui se percebe de modo notável e esplendido a imagem e semelhança infundida no homem, pois qual criatura após a queda, pois mais dotada que fosse, poderia ter tamanha criatividade para nomear todos os animais que lhe fossem apresentados? Qual criatura teria tamanha perspicácia a ponto de escolher nomes perfeitos e adequados segundo cada espécie? Assim, por ainda estar em seu reto e pleno juízo, Adão foi capaz de nomear cada um deles, desde os maiores até os menores. Embora Adão tenha nomeado todos os animais, seu dever de lavrar e cuidar a terra ainda permanecia vigente, devendo (e podendo!) cuidar de toda criação que Deus colocou ao seu dispor.

É nesse ínterim da criação do mundo e do homem que encontramos o primeiro pacto de Deus com o homem: o pacto das obras. O Senhor havia disposto tudo de forma bela e constante ao homem, de modo que ele tão somente deveria reger a criação e ter o cuidado para não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Adão tinha então um pacto, uma aliança firmada com Deus: obedecendo à Sua ordem, tudo lhe iria bem; desobedecendo, certamente morria. [7] Adão tinha diante de si a promessa da vida eterna ao lado do Senhor que o(s) visitava no jardim (Gn 3.8) e a tudo lhe provia, sendo ele testemunha viva e ocular de que não havia nada maligno ou inacabado no palácio natural onde habitava - todos os seus sentidos lhe diziam que tudo era muito respeitável e agradável, nada lhe faltava. Mas ele também tinha sobre sua cabeça o decreto de que se houvesse a faltar com o Senhor em sua obediência, não haveria dó, piedade ou clemência que pudessem fazer com que a misericórdia, imagem e semelhança continuassem a pairar sobre seu coração.

Diferentemente de nós, para Adão era possível obedecer ao Senhor e cumprir o pacto feito por Ele, pois como vimos, em Adão não habitava o pecado, nem era ele coagido a fazer coisas más, pois era à imagem e semelhança de Deus. Como também disse Calvino, "Com efeito, Adão recebera o poder, se quisesse; não teve, entretanto, o querer, por meio do qual pudesse, porque a perseverança acompanharia este querer. Todavia, não tem escusas quem recebeu tanto que, por seu próprio arbítrio, a si engendrasse a ruína". [8] Aqui, a teologia reformada faz amplo coro as palavras do reformador, contudo, em nenhum momento afirmamos (nem Calvino o faz - vide sua obra completa) que tal liberdade de Adão estava fora do decreto divino. Deus, por algum insondável propósito, havia decretado a queda, pois assim lemos: "E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo" (Ap 13.8 - grifo meu). Em seu conselho (vontade) secreto, Deus havia ordenado a Adão que caísse, contudo, também havia-o alertado para que assim não procedesse. Nos  é útil estender apenas um pouco e citar novamente o reformador:

"Contudo, nem por isso Deus se põe em conflito consigo mesmo, nem se muda sua vontade, nem o que quer finge não querer; todavia, embora nele sua vontade seja uma só e indivisa, a nós parece múltipla, já que, em razão da obtusidade de nossa mente, não aprendemos como, de maneira diversa, o mesmo não queira e queira que aconteça. Paulo, onde disse que a vocação dos gentios era 'um mistério escondido' [Ef 3.9], acrescenta, pouco depois [Ef 3.10], que nela manifestara a [multifária] sabedoria de Deus. Porventura porque, em decorrência da lerdeza de nosso entendimento, a sabedoria de Deus se afigura múltipla, ou, como a verteu o tradutor antigo, multiforme, deveríamos nós, por isso, sonhar no próprio Deus qualquer variação como se mudasse de plano ou divergisse de si mesmo? Antes, quando não apreendemos como Deus queira que se faça o que proíbe fazer, venha-nos à lembrança nossa obtusidade, e ao mesmo tempo consideremos que a luz em que ele habita não em vão se chama inacessível [1 Tm 6.16]... Aliás, pouco antes Agostinho havia dito que, por sua revolta, os anjos apóstatas, e todos os réprobos, quanto respeita a si próprios, haviam feito o que Deus não queria; quanto, porém, respeita à onipotência de Deus, isto de modo algum teriam podido fazer, porque, enquanto o fazem contra a vontade de Deus, lhe é feita a vontade no que a eles se refere. Donde exclama: 'Grandes são as obras de Deus, excelentes em todas as suas vontades [Sl 111.2]; e assim, de maneira mirífica e inefável, não se faça, exceto por sua vontade, o que se faz mesmo contra sua vontade, porque não se faria se ele não o permitisse; nem o permite, como se de qualquer forma não o quisesse; ao contrário, porque o quer; mesmo sendo bom não permitiria que mal se fizesse, exceto que, onipotente, até em relação ao mal pudesse fazer bem'". [9]

Convém, portanto, agora pararmos por aqui, a fim de não darmos lugar à curiosidade demasiada e nem intentar conhecer a vontade secreta do Senhor. Fiquemos satisfeitos com aquilo que o Senhor tem revelado e demonstremos humilde submissão aos decretos de Deus, pois apenas isso tem de ficar firme: Adão foi criado à imagem e semelhança de Deus e foi colocado no mais belo e proveitoso lugar que o Senhor arquitetou.

Notas:
[1] Heresia predominante durante os primeiros séculos da Igreja pós apostólica que afirmava ser o corpo, a matéria humana inerentemente má, ao passo que o espírito era bom; por isso lutavam para mortificar o corpo físico e lhe privar de qualquer prazer, tudo na esperança de que o espírito "bom" sobrepujasse a maldade corpórea.
[2] CALVINO, João, As Institutas, Ed. Clássica, Livro I, Cap. XVI, pág. 194.
[3] Os benefícios do sol são inúmeros: desde a fotossíntese das plantas, até o prevenir de doenças como osteoporose. 
[4] CALVINO, Ibid., págs. 182-184.
[5] Para mais, veja o capítulo XV do Livro I das Institutas.
[6] A condição de carnívoros, isto é, matar outro animal para se alimentar, é fruto da queda do homem (compare Gn 2.9,16 com Gn 9.3)
[7] Não cabe ao escopo do presente trabalho o analisar a liberdade de Adão. Devemos ter em mente que Adão achava-se em reto e pleno juízo, podendo realizar perfeitamente o que o Senhor lhe dirigira.
[8] CALVINO, Ibid., pág. 191.
[9] CALVINO, Ibid., pág 228, 229.

O culto online e a tentação do Diabo

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